“Apanhamos muito mais agentes da PSP a mentir do que devíamos", diz juíza a polícia

Três agentes da PSP estão a ser julgados por agressão a um jovem de origem angolana, em pleno Tribunal da Amadora. Colectivo de juízes mostrou várias vezes a sua desconfiança face aos depoimentos.

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Nelson Garrido

Não sabem porque os acusaram de agressão, lamentam estar no banco dos réus e um deles, Tiago Pereira, até afirmou que “é triste ser PSP e estar a ser julgado”. Mas, dois dos três agentes da PSP que o Ministério Público (MP) acusou de agressão a um jovem de origem angolana, em plenas instalações do Tribunal da Amadora, no ano passado, ouviram várias repreensões dos juízes durante os seus depoimentos nesta quarta-feira, no Tribunal de Sintra.  

Ao agente Tiago Pereira o juiz Pedro Neves e a presidente do colectivo Cláudia Martins Alves afirmaram: “Olhe que para nós é mais penoso [estar a julgar agentes da PSP]. Apanhamos muitos agentes como arguidos a mentir e depois ouvimos centenas como testemunhas e ficamos a pensar se estão a falar a verdade...”, disse Pedro Neves. “Apanhamos muito mais agentes a mentir do que devíamos apanhar”, corroborou a juíza. “É o sistema que funciona mal por todos os lados”. 

Com voz firme e decidida Cláudia Martins Alves por diversas vezes fez ironia com as respostas dos arguidos. O juiz Pedro Neves não foi menos duro. Foram ouvidos o subcomissário Hugo Correia, de 27 anos, que na altura do evento dirigia a esquadra da Brandoa e que agora está em Vila Nova de Gaia, e é também acusado do crime de falsificação de documento e de denúncia caluniosa. O terceiro agente em tribunal é Diogo Ribeiro, de 26 anos, agente na esquadra da Brandoa desde 2013. Tiago Pereira está desde 2012 na Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial de Alfragide, a mesma dos 17 polícias acusados de tortura e racismo pelo Ministério Público e que estão a ser julgados também em Sintra.

O subcomissário tinha pedido a abertura de instrução do processo e o juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Sintra decidiu que não ia sujeitar os arguidos a julgamento. Mas o MP da Amadora recorreu e o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a acusação. 

Em causa estão factos que se passaram a 13 de Março de 2017 pelas 10h, no interior do edifício do Tribunal da Amadora. O despacho diz que o arguido Hugo Correia e o ofendido E. Silva se cruzaram no espaço entre as casas de banho de apoio à sala de testemunhas e a sala dos advogados. Hugo Correia voltou-se para E. Silva (que ali estava para tratar de um processo de regulação parental) e perguntou “Estás a olhar para mim porquê?”

De seguida, o agente Diogo Ribeiro, o único que estava fardado,“empurrou com força” E. Silva contra a parede próxima da entrada das casas de banho, prossegue a acusação. Hugo Correia agarrou-o pelo pescoço com a mão direita e apertou-o com força. E Tiago Pereira, à civil, deu, com o seu pé direito, um pontapé no peito de E. Silva, ainda de acordo com o despacho. Dois advogados que ali estavam a tratar de outros processos, e sem relação com E. Silva, “foram impelidos a intervir em sua defesa” e deslocaram-se ao gabinete do Procurador da República para fazer uma denúncia do sucedido.

A 14 de Março o subcomissário Hugo Correia escreveu num auto de notícia que tinha sido E. Silva a dirigir-se a ele e aos dois agentes dizendo: “Palhaços do caralho, falem mas é para a parede.”

PSP negam acusação 

“É tudo mentira”, dizem os agentes em tribunal. Mas as versões que apresentaram dos factos foram confusas e contraditórias e os juízes fizeram questão de frisar isso mesmo.  “Vou tentar não transparecer a angústia que sinto”, começou por afirmar Hugo Correia. “A angústia de quê? De ser arguido?", perguntou a juíza, com distância, ordenando-lhe para ir directo ao assunto nas respostas às suas perguntas. 

Ao tribunal o agente referiu que quem tinha perguntado “estás a olhar para mim porquê?” tinha sido E. Silva e não o contrário como vem na acusação. Disse também que naquele espaço do primeiro andar do Tribunal da Amadora (que não deve ter mais de seis metros) não ouviu as injúrias que o jovem proferiu mas que ele, agente, não deixou explícito no auto, "por erro" seu, que quem as tinha ouvido foi outro agente.

A forma como Hugo Correia contou o sucedido mereceu comentários de incredulidade dos juízes que o interromperam diversas vezes para o explicitar. Por exemplo, quando este afirmou que não tinha ouvido as injúrias mas viu os “seus homens” a manietar E. Silva e ordenou que se afastassem. A “perplexidade” do tribunal, comentou a juíza depois de lhe pedir vários esclarecimentos, foi a ordem: “Estando os ânimos exaltados porque manda afastar os agentes que estão a tomar conta da situação?”

O agente ainda ouviu os juízes brincarem com ele quando afirmou que era efectivo da PSP há cinco anos. "Você diz que tem muita experiência mas isto aconteceu em 2017, quatro anos não é muita experiência, é um jovem".

Também a Tiago Pereira foram apontadas incongruências no depoimento, nomeadamente pelo MP: quando foi ouvido pelo Procurador do Ministério Publico o agente disse não ter presenciado qualquer situação confusa, mas ao Tribunal de Sintra esta quarta-feira descreveu um cenário de confusão. O agente justificou: “Tenho alguma lacunas e dificuldade de vocabulário”. Mas a juíza alertou: “Ser arguido e ser acusado de ter dado um pontapé e dizer que não ouviu nada, que estava tudo calmo, parece-lhe credível? Tinham passado pouco tempo dos factos quando disse isto. É muito estranho.”

Disse também que E. Silva estava a injuriar o seu colega em tom de voz alto para “toda a gente ouvir”.

A juiza ainda lhe perguntou se “tinha alguma explicação” para ser acusado de ter dado um pontapé a E. Silva: “Sra. Dra. não, porque estava à civil." A juíza riu-se: “Se estivesse fardado já podia ter dado um pontapé? Olhe que essa resposta até lhe fica mal." Na próxima sessão será ouvido o terceiro agente e o ofendido. 

O julgamento acontece um dia depois de três agentes da PSP que trabalhavam na Esquadra da Bela Vista, em Setúbal, terem sido condenados a penas de prisão suspensas por um crime de sequestro agravado. Ficou provado que 4 de Dezembro de 2016 os polícias meteram um jovem algemado — filho de um militar da GNR — na bagageira do carro policial, levaram-no para uma casa abandonada e, dois deles, agrediram-no.

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