A extraordinária orgia de Rui Rio

O problema desta orgia de palavras é a sua inconsistência profunda e a aceitação antecipada da derrota que fatalmente ocorrerá daqui a um ano.

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As críticas substanciais de Rui Rio ao Governo em funções contam-se pelos dedos das mãos. Rio tinha avisado durante a campanha interna do PSD de que iria haver “mudanças na forma de fazer oposição” e cumpriu: à debilitadíssima oposição de Passos Coelho e seus diabos particulares sucedeu coisa nenhuma. Rio reduziu a sua ração oposicionista à míngua e foi mandando calar quem, dentro do PSD, queria fazer qualquer coisa que não fosse exclusivamente fazer-se de morto.

E então chegou o Orçamento, que na quinta-feira foi previsivelmente aprovado no Parlamento, com a esquerda parlamentar a votar na obsessão do défice, que é como quem diz, no 0,2% apontado por Centeno. E o que viu Rui Rio num orçamento feito para responder a todas as ínclitas exigências europeias – que ninguém acreditaria há quatro anos que PCP e BE viabilizassem? Viu uma “orgia orçamental”, um “bodo político aos eleitores”, acusou Costa de ser “uma cigarra” que “canta e dança no Verão e quem vier atrás que feche a porta”.

Na orgia de palavras de Rui Rio sobre o Orçamento há uma pouco subliminar “passoscoelhização” do discurso oposicionista do novo líder. “Querem fazer crer que estamos numa espécie de país das maravilhas onde é possível distribuir benesses por toda a gente”, disse Rui Rio, acusando Costa – ele que quase nunca acusou Costa de nada – de seguir uma “política de chapa ganha chapa batida”.

Ora, mesmo perante um défice de 0,2 – que pode redundar num défice zero ou superavit, quem viver verá – Rio acha que “a redução no défice de 2019 é muitíssimo pequena”. E o economista educado no colégio alemão faz a pergunta e dá a resposta: “Porque é que não fazem uma redução grande e fazem uma mínima? Porque precisam de dinheiro para dar aos eleitores”. Rio, que já veio criticar o estado de alguns serviços públicos e o facto do Governo ter falhado em cumprir a devolução do tempo de serviço aos professores reclamada para os sindicatos, acha que há muito dinheiro a ser distribuído.

Na verdade, Rio não discorda de nenhuma das medidas “avulsas, dispersas e simpáticas”. Diz é que “são uma orgia orçamental que o Governo pretende fazer em ano de eleições” e “se a seguir as coisas correrem mal já foram as eleições”.

O problema desta orgia de palavras é a sua inconsistência profunda e a aceitação antecipada da derrota que fatalmente ocorrerá daqui a um ano. O recurso Sócrates - usado quarta-feira pelo PSD no debate do Orçamento - comparando o incomparável, revela o volume do desespero.

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