Processo de infecção da meningite neonatal recriado em ratinhos

Investigadores portugueses desenvolveram um novo modelo experimental para estudo da infecção por Streptococcus do grupo B, uma bactéria que é a principal causa de doenças infecciosas neonatais e que é fatal para cerca de 10% dos recém-nascidos infectados

Foto
Imagem de imunoflurescencia permitindo visualizar a presença da bactéria (a verde) no tecido cerebral (a azul observam-se núcleos de neurónios) DR

Uma equipa de investigadores portugueses, em colaboração com cientistas do Instituto Pasteur, conseguiu reproduzir em ratinhos o processo de infecção da meningite neonatal que, nos humanos, ocorre no momento do parto. O novo modelo experimental mimetiza a transmissão da bactéria que coloniza as mulheres grávidas afectadas por esta doença infecciosa e, por isso, será o ponto de partida ideal para estudar a infecção e encontrar novas formas de a diagnosticar e tratar. Cerca de 10% dos recém-nascidos infectados acabam por morrer e cerca de metade dos sobreviventes ficam com sequelas neurológicas permanentes por causa desta infecção que afectará entre 15 a 40% das mulheres grávidas. O novo modelo é apresentado num artigo publicado na revista científica Nature Communications.

“Todos os modelos que existiam para estudar esta doença tinham formas de infecção das crias que não eram naturais, a carga de bactéria que passava para a cria era muito superior à carga fisiológica e, por isso, os efeitos também não eram os pretendidos porque não simulavam a realidade”, explica Teresa Summavielle, investigadora do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (I3S) e uma das autoras do artigo que colaborou neste estudo explorando a área das neurociências. Foi, no entanto, Paula Ferreira, uma outra investigadora do I3S que é especialista no campo da imunologia , que liderou a equipa de cientistas. “Faltava um bom modelo de estudo animal que permitisse estudar em detalhe os processos de infecção, para que se pudesse desenvolver formas de diagnóstico e de tratamento adequados”, afirma Paula Ferreira, citada num comunicado de imprensa sobre o trabalho.

Neste novo modelo a simulação será muito mais aproximada da realidade, uma vez que o contágio também acontece durante o processo do parto e as crias de ratinhos ficam infectadas com uma quantidade de bactéria que imita o que acontece na natureza, na espécie humana. Elva Andrade, investigadora do Instituto de Ciências Abel Salazar (ICBAS) da Universidade do Porto e primeira autora do artigo, especifica que “neste trabalho, a bactéria é transmitida da mucosa vaginal de fêmeas gestantes para a sua descendência, causando septicemia e meningite neonatal, com consequentes sequelas neurológicas nos sobreviventes, à semelhança do que é observado nos humanos”.

Foto
As imagens representam cérebros normais (em cima) e infectados pela bactéria (em baixo), mostrando um enorme aumento de permeabilidade da barreira. A ausência de permeabilidade é muito importante para manter a integridade a função cerebral. DR

Após a infecção, era necessário avaliar os danos e os efeitos causados. “A maior parte das características principais desta infecção estavam lá e foi uma surpresa muito boa verificar que tínhamos um modelo muito bom”, diz Teresa Summavielle ao PÚBLICO. E porque é que isto é tão importante? “Porque o facto de não termos modelos bons até agora também não permite desenvolver terapias adequadas. Daqui para a frente está aberto o caminho para nós, e outros grupos, poderem experimentar abordagens terapêuticas com muito mais eficiência”, responde a especialista em neurotoxicologia.

Actualmente, quando esta infecção pela bactéria Streptococcus do grupo B é diagnosticada (e há muitos casos com manifestações subtis e até assintomáticos que passam despercebidos) os recém-nascidos são afectados por pneumonia, septicemia e meningite, que muitas vezes são tratados com antibióticos. Teresa Summavielle, que avaliou os efeitos neurológicos causados nos ratinhos usados neste estudo, acrescenta que “em situações em que as crias sobrevivem à infecção é possível detectar problemas no desenvolvimento neurológico, que comprometem o desempenho de aprendizagem e memória na vida adulta dos ratinhos”. Assim, encontrar novas formas de diagnóstico e de intervenção precoce será crucial para evitar sequelas graves.

Antes deste novo modelo, os investigadores estavam condicionados pela observação de efeitos bastante mais graves do que os observados nos humanos, dado que a carga de bactéria que passava para a cria era muito superior. “O efeito era muito mais dramático e a taxa de sobrevivência era muito baixa.” E neste novo modelo mais fiel já foi detectado algum possível alvo para uma intervenção farmacológica ou de outro tipo? “Sim, é muito interessante porque vemos o processo inflamatório à volta dos ventrículos, que é a parte do cérebro onde circula o liquido cefalorraquidiano e vemos alterações grandes na barreira, numa desestruturação do tecido que separa o líquido do cérebro propriamente dito com um processo inflamatório muito marcado nessas regiões”, avança Teresa Summavielle acrescentando: “Se conseguimos, por exemplo, atacar o processo inflamatório a probabilidade de o problema não se estender e não ter proporções muito graves é grande”.

Sugerir correcção
Comentar