O orçamento impossível

Acreditar que a virtude está em servir de travão a conquistas que ajudam as pessoas, o país ou a economia é ignorar o que de bom aconteceu desde 2015.

Este texto é sobre uma impossibilidade anunciada, o último Orçamento do Estado da legislatura. Há quatro anos muitas vozes juravam ser difícil um Orçamento aprovado por PS, Bloco de Esquerda e PCP, quanto mais quatro orçamentos seguidos. O aventureirismo sairia caro ao país e o diabo conjurava para que a geringonça se espetasse na primeira curva. E pur si muove! Como se comprova, a bola de cristal estava errada e o prognóstico saiu furado.

A resiliência da geringonça é o principal motivo do desespero da direita, que ainda não conseguiu acertar com a tática política. Basta ver o atual debate orçamental para perceber que o desnorte está instalado. PSD acusa o Orçamento de eleitoralismo e, com peculiar sentido de estado, Rui Rio descreve como “orgia orçamental” as medidas em discussão. Já o CDS acusa o Orçamento do contrário, dizendo que “carrega os portugueses de impostos indiretos”. A conclusão é que a única coisa pornográfica é a forma ligeira como a direita diz tudo e o seu contrário.

Ambos afirmam que o Orçamento é enganador e pouco sustentável, mas salivam pela meta de défice apresentada por Mário Centeno. Rejeitam o Orçamento como um todo, mas não conseguem ser contra as medidas em concreto. Dizem que o Orçamento não pensa no futuro, mas isso é porque ainda estão agarrados ao passado. Parece um labirinto, soa a labirinto, cheira a labirinto e é mesmo o labirinto de onde a direita não consegue sair.

Para a direita, não há bons orçamentos sem cortes nos rendimentos ou sem ataques ao Estado Social, não têm é a coragem de o dizer. Na verdade, o espetro que assombra PSD e CDS é o programa da troika do qual não se conseguem libertar. A direita portuguesa não precisa de uma refundação, precisa é de um exorcismo.

O debate do Orçamento para 2019 é, também, o da avaliação das escolhas feitas ao longo dos últimos anos. A distribuição de rendimentos, com o efeito no mercado interno e na criação de emprego, revelou-se a principal alavanca do crescimento económico e do equilíbrio das contas públicas. Quando o ministro das Finanças diz que "Portugal está melhor e por isso também os portugueses estão melhor", deve reconhecer que isso se deve às políticas que colocaram a melhoria da vida das pessoas no centro das escolhas públicas.

O mesmo Mário Centeno que em 2015 dizia ser indispensável para as contas públicas o congelamento das pensões, tem agora de admitir que estava errado. O António Costa que “assinava por baixo” o programa macroeconómico que rejeitava aumentar o Salário Mínimo Nacional, é o mesmo que alegremente corre o país defendendo que essa foi uma medida essencial do mandato, garantindo que chegará  aos 600 euros em 2019. O governo que rejeitou reduzir o valor das propinas ao longo de 3 anos, é agora o mesmo que garante querer acabar com as propinas nas licenciaturas.

Os exemplos que estou a dar mostram como a política da direita não era uma inevitabilidade, antes uma convicção. Estavam convictos que era com privatizações e precariedade, cortes e desemprego que se preparava a economia para crescer. Mas comprovam que mesmo o PS teve de ser (con)vencido para aplicar uma política de distribuição de rendimentos. Se há mérito a assacar é o das pessoas que votaram numa relação de forças que colocou António Costa entre a espada e a parede, entre a derrota eleitoral e a cedência à esquerda para chegar a primeiro-ministro.

O verdadeiro debate do Orçamento para 2019 é o que decorre deste último parágrafo. Como quer o PS sair da última curva da legislatura e abordar a reta até às eleições legislativas? Submisso a Bruxelas e às absurdas metas de défice? Ou a responder ao verdadeiro défice do país que afeta a saúde pública, a escola pública, o investimento, a fiscalidade sobre bens essenciais. Acreditar que a virtude está em servir de travão a conquistas que ajudam as pessoas, o país ou a economia é ignorar o que de bom aconteceu desde 2015.

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