Galp desiste de furo em Aljezur e Governo afasta novas licenças

Empresas desistem de projecto de exploração petrolífera na costa vicentina. Ambientalistas, autarcas e movimentos cívicos aplaudem decisão e Governo afasta atribuição de novas licenças.

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Ministro do Ambiente e da Transição Energética vai analisar "consequências administrativas" do pedido de renúncia às concessões rui gaudencio

A Galp e a Eni anunciaram ontem que desistiram do furo de sondagem que estava previsto para a bacia do Alentejo, a cerca de 46,5 km da costa da vila algarvia de Aljezur.

Esta decisão de “abandonar o projecto de exploração de fronteira na bacia do Alentejo”, que recebeu o aplauso de ambientalistas, autarcas, movimentos cívicos e toda uma vasta multidão de pessoas que nos últimos anos se mobilizaram contra o furo em águas profundas na costa vicentina, foi anunciada durante a manhã pelo presidente da Galp na conferência telefónica com analistas para apresentação das contas do terceiro trimestre.

O anúncio feito aos analistas havia de chegar só mais tarde ao Ministério do Ambiente e da Transição Energética (MATE). Foi já ao final do dia que o inistério liderado por Matos Fernandes confirmou que “o consórcio ENI/Galp apresentou hoje, 29 de Outubro, um ofício a solicitar a renúncia do contrato de prospeção, pesquisa, desenvolvimento e produção de petróleo para as áreas denominadas por Santola, Lavagante e Gamba”, na bacia do Alentejo.

“As consequências administrativas serão agora avaliadas, sendo já evidente que não há lugar a qualquer indemnização por parte do Estado”, disse a mesma fonte, sublinhando também “que o Governo já tornou pública uma moratória na exploração de hidrocarbonetos pelo que não será licenciada qualquer nova exploração”.

Sem grandes explicações, a empresa controlada pela família Amorim enviou uma nota às redacções ainda durante a conferência telefónica em que dizia lamentar “a impossibilidade de avaliar o potencial de recursos offshore do país”, mas em que frisava que “as condições existentes tornaram objectivamente impossível prosseguir as actividades de exploração”. E logo deixou o aviso de que as empresas do consórcio não estavam disponíveis para fazer “comentários adicionais”, num momento em que existem “diversos processos judiciais em curso sobre este assunto”.

A notícia, que “apanhou de surpresa” o presidente da câmara de Aljezur, mas que “era uma esperança” acalentada, como reconheceu o autarca, José Gonçalves, aos microfones da Antena 1, chega num momento em que o projecto de exploração já estava congelado por uma providência cautelar interposta pela Plataforma Algarve Livre de Petróleo (PALP).

Esta providência para travar a licença, que foi deferida em Agosto pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, terá pesado na decisão do consórcio liderado pela Eni (em que a Galp tem uma posição minoritária de 30%), de deixar morrer o furo de 31 centímetros de diâmetro, que se realizaria a mil metros de profundidade, e que permitiria comprovar a existência (ou inexistência) de petróleo na costa portuguesa.

Segundo o anterior presidente da Galp, Ferreira de Oliveira, que avaliou em mais de 100 milhões de dólares o investimento de prospecção naquela área, o empreendimento tinha uma “probabilidade de sucesso inferior a 20%”.

Numa nota citada então pela Lusa, o consórcio revelou que a decisão do tribunal de Loulé teve por base “uma alegada irregularidade” de um processo conduzido pela Direcção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), que recorreu da decisão judicial.

A Eni e a Galp tinham até à segunda semana de Janeiro para concluir a sondagem no mar, de modo a cumprir as condições contratuais fixadas com o Estado português – ou seja, sem correr o risco de falhar o calendário fixado e que o Estado executasse a garantia bancária referente à caução. Além do MATE, o PÚBLICO também questionou a Galp sobre se há alguma penalização associada a esta desistência e se esta pode ser vista como um incumprimento contratual, porém não obteve esclarecimentos. A Galp escusou-se a fazer outros comentários além das declarações divulgadas durante a manhã, enquanto o ministério de Matos Fernandes adiantou que ainda não é possível responder a questões sobre eventuais penalizações e incumprimentos, ou mesmo sobre se o futuro da concessão passa pela simples extinção.

O PÚBLICO também questionou empresa e Governo sobre o desfecho das concessões da área de Peniche – a Galp, que chegou a estar em consórcio com a Repsol, a Partex e a Kosmos nestas concessões, tinha decidido manter apenas uma das quatro áreas concessionadas, mas aparentemente também terá desistido desse projecto –, e não obteve esclarecimentos.

O que parece certo, para já, é que no entender do consórcio Eni/Galp a providência interposta pela PALP tornou inviável o cumprimento dos prazos dos trabalhos para o furo Santola na costa de Aljezur, que seriam conduzidos por um navio sonda alugado à Saipem, uma empresa detida pela Eni.

Isto apesar de, no mês passado, ainda ser voz corrente na Galp que o furo era mesmo para avançar: em meados de Setembro a empresa divulgou entre os seus trabalhadores uma brochura sobre a exploração petrolífera em Portugal (“Sondagem de pesquisa em Portugal – Saiba o que se vai passar”) em que explicava o processo de sondagem, sinalizava aos trabalhadores a existência de 600 plataformas petrolíferas activas na Europa (e os 36 poços de sondagem realizados pela Noruega só em 2017) e recordava a existência de muitas infra-estruturas de produção próximas de áreas turísticas em países como Itália, Croácia e Espanha.

A exploração petrolífera contribui para reduzir a dependência energética e para a transição energética e descarbonização (“porque a riqueza criada pelos hidrocarbonetos poderá ajudar a financiar investimentos em fontes alternativas de energia”), além de dinamizar a economia do mar, o desenvolvimento tecnológico, e o conhecimento científico, sustentava ainda a brochura da Galp, frisando que mais de dois terços dos países da União Europeia investem na pesquisa de hidrocarbonetos.

A associação Zero qualificou a decisão da empresa como “uma das mais importantes vitórias do movimento ambientalista local, regional e nacional” e, pela Quercus, Nuno Sequeira, afirmou à Antena 1 esperar que, “depois deste”, outros projectos petrolíferos pendentes “sejam também abandonados”. Em declarações ao Sul Informação, o presidente da Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL), Jorge Botelho, considerou que se trata de uma “boa notícia que dá razão a todos aqueles que sempre defenderam que o Algarve devia ser região livre de hidrocarbonetos”.

A intenção da Galp e da Eni vem colocar aparentemente um ponto final num dossiê atribulado, em que chegou a estar envolvida a brasileira Petrobras, que foi a parceira inicial da empresa portuguesa. Em Novembro de 2013 a petrolífera brasileira explicou ao PÚBLICO que “após a avaliação dos resultados dos estudos de geologia e geofísica efectuados nas áreas das concessões” em Portugal (Alentejo e Peniche), tinha chegado à conclusão que “o risco exploratório” não justificava “a continuidade de sua participação no projecto”.

Depois de um longo processo para encontrar um substituto para a Petrobras no projecto da bacia do Alentejo, a Galp acabou por chegar a acordo com a sua ex-accionista Eni, que assumiu a liderança do projecto e, em Abril de 2016, enviou o primeiro pedido de licenciamento do furo à DGRM. O processo esteve vários meses parado no Ministério do Mar, liderado por Ana Paula Vitorino, mas o consórcio conseguiu obter prolongamentos de prazo e, em Janeiro de 2017, obteve o título de utilização do espaço marítimo que lhe permitiria realizar a sondagem até Janeiro de 2019.

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