Vós permitis, senhores? Falemos de amor e do mundo

Adamo cultiva uma comunhão com o público com a pulsão de um amor verdadeiro, não só pela arte que o move como por quem nela respira vida.

Quando se apresentou pela primeira vez em Portugal, em 1966 (no antigo Cine-Teatro Monumental, em Lisboa), Salvatore Adamo era um jovem de 22 anos e estava no auge da sua popularidade juvenil. Já tinha gravado, em vinil (EP), canções como Amour perdu, Tombe la neige, Vous permettez, Monsieur?, Dolce Paola ou Viens, ma brune. E parte considerável do público que encheu o Coliseu dos Recreios, em Lisboa, no dia 25, para mais uma vez o receber (ele já não actuava nesta cidade há mais de duas décadas), era desse tempo. Se fosse possível aplicar, ali, uma máquina do tempo, a sala estaria cheia de jovens inquietos, idealistas, ávidos de vida e de mundo. Mas, não sendo, o concerto de Adamo teve ao menos o condão de os rejuvenescer. Porque, ao contrário do que alguns pensarão, ele não é (nunca foi) um vulgar entertainer, mas um cantor atento ao que o rodeia; não um cantor político no sentido militante mas um humanista que ergue a voz para falar das coisas do mundo e para enaltecer um amor que não se restringe às teias da paixão e do romantismo mas abarca todo o género humano.

Sem renunciar aos desejos do público de ouvir as antigas canções (e ele cantou várias, como C’est ma vie, Une mèche de cheveux, Dolce Paola, Mes mains sur tes hanches, Au café du temps perdu ou Vous permettez, monsieur?), quis também dar a ouvir algumas das mais recentes, e por isso incluiu no alinhamento Un rêve ou Just un je t’aime, do seu álbum mais recente, Si Vous Saviez..., de 2018; ou Chantez e Lola & Bruno (L’amour n’a jamais tort), do anterior L’Amour n’a Jamais Tort (2016). E se de início a voz soava demasiado baça e grave, por má gestão do som do microfone, mal o erro foi corrigido ouvimo-lo com perfeita clareza, no seu timbre de sempre. Uma voz que, sem pretensões de iludir a idade (Adamo completará 75 anos esta quinta-feira), mantém nele o apelo de uma juvenilidade sem tempo.

Não só a voz, também o físico: dançou, ágil, rondando até o rock’n’roll, e fê-lo com naturalidade, sem sombra de decadência. E sem fugir à História: lembrou os 50 anos da morte de Luther King, falou dos atentados terroristas e do massacre no Charlie Hebdo, lamentou que o conflito israelo-árabe ainda não tivesse uma pacificação 50 anos depois do seu Inch’allah!, voltando a cantá-lo, tal como aproveitou Chantez para dizer que insistirá no amor como resposta ao terror: “Je ne peux rien faire de mieux/ Que de rêver pour demain/ Pour qu’il soit enfin au rendez-vous/ Chantez, chantez, l’amour, chantez/ Et le monde s’aimera.” E incluiu também no alinhamento uma canção dedicada ao drama dos refugiados do Mediterrâneo, Migrant. Tombe la neige, já quase no final, teria soado melhor em francês mas ele insistiu em cantá-la em português (como já fizera noutros tempos).

O fecho, com Les filles du bord de mer, ou os momentos em que a assistência o acompanhou em refrões ou vocalizos, selaram selaram a comunhão com o público. Uma comunhão que Adamo cultiva com a pulsão de um amor verdadeiro, não só pela arte que o move como por quem nela respira vida, ao ouvi-lo.

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