A “eucaliptofilia” e os actos de fé

Não são visíveis medidas oficiais de resposta aos alertas dos autarcas da região Centro.

Há por aí muitos crentes em que o problema da forte invasão por eucalipto pós-incêndio, que hoje afecta fortemente muitos concelhos da região Centro, não terá graves consequências futuras. Para o efeito invocam ciência. Argumentam que 90 a 95% da germinação de sementes de eucalipto, que prolifera no vasto território ardido em 2017, não sobreviverá após o primeiro ano. Mas será que a ciência tem resposta, nesta matéria, para uma área ardida em eucaliptal tão vasta como os mais de 90 mil hectares afectados em 2017 (mais de nove vezes a superfície da cidade de Lisboa)? Profecia por profecia, não será mais viável a de termos, para o ano, o concelho de Monchique, ardido este Verão, nas mesmas condições de Oliveira do Hospital, Oliveira de Azeméis, Penela, Pedrógão Grande e muitos outros?

O que se vê hoje numa vasta área do território nacional são áreas de eucaliptal com as varas ardidas em 2017 ainda por cortar, com a rebentação, entretanto, de novas varas no mesmo pé e fortíssima germinação de novos eucaliptos entre os ardidos no ano passado. Haja fé em que S. Pedro nos traga fortes geadas, entretanto. Todavia, a fé mais viável aponta para a necessidade de um resgate ao território. Preparemo-nos para essa necessidade num futuro muito próximo. Afinal de contas, já criámos o hábito. Os lucros ficam por alguns, os prejuízos vêm para os de sempre. A Galiza já deu o pontapé de saída, com um custo de 500 euros por hectare! Nem vale a pena vir invocar que o resgate será suportado por fundos comunitários! Estes não caem do céu e ao invés de serem usados para reparar vícios recorrentes, como foram os da campanha do trigo, da massificação do pinhal bravo ou, agora, do olival intensivo e superintensivo, poderiam ser utilizados para fins sociais mais nobres. Existe ainda o factor das pragas e doenças! Talvez haja a fé de que tão vasta área ardida não impulsione ainda mais a sua já exponencial proliferação.

Fé por fé, parece que até a ex-ministra da Agricultura, Assunção Cristas, se quer demarcar da sua acção governativa, de ter convertido em legal o que antes era ilegal. Já o actual ministro Capoulas Santos parece ter a mesma fé dos “eucaliptofilos”: não são visíveis medidas oficiais de resposta aos alertas dos autarcas da região Centro. Talvez 90 a 95% dos novos eucaliptozinhos morram no próximo ano! Mas, e quanto aos 5 a 10% restantes, num mar de um extenso eucaliptal sem governo?

Mas há mais actos de fé! A indústria de celulose vive com a fé de que vai inundar os mercados europeu, norte-americano e asiático com papel de escritório, isto a partir de 10% do território de um país onde prolifera uma epidémica carga arbórea exótica, resultado de investimentos onde o factor sorte impera, sujeito, regra geral, a uma gestão de abandono. Bom, tudo indica que os norte-americanos não se terão mostrado dispostos a que tal ocorra através de práticas desleais de mercado. Já deram disso sinal e não foi só pela actual Administração Trump.

Há ainda empresas de celulose que vivem com a fé de que é possível manter e, pior, expandir unidades fabris em Vila Velha do Ródão. Há a fé de que os caudais futuros do Tejo o possam suportar. Talvez haja ainda a fé de que os contribuintes estejam dispostos, ano após ano, a financiar operações de limpeza neste rio internacional, tal como ocorreu este ano. Será? Haja fé!

Haverá ainda a fé, por parte da indústria de celulose e papel, de que as ameaças com aumento de importações e a deslocalização para a Galiza determinarão as decisões políticas a seu favor. Bom, aqui não há fé, há certezas! Afinal de contas, têm os seus “eucaliptófilos” bem colocados nos centros de decisão.

Há uma estrutura de missão para os incêndios rurais que se suporta na fé de que, ao trazer regularmente piro-especialistas estrangeiros a Portugal, nos irá impor doses maciças anuais de fumo, com a ameaça de que, de outra forma, só nos restam periódicas doses catastróficas. Esperemos que tenha a capacidade de nos apresentar mais opções para além do fogo controlado, porque existem! Obviamente, a prática do fogo controlado é a que melhor se ajusta, no plano financeiro, a grandes extensões de plantações arbóreas. Já no plano das emissões, muitos pulmões assumirão as consequências!

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