Centeno pede “responsabilidade” à esquerda e à direita para o país “não voltar atrás”

O recado do ministro das Finanças é para a esquerda e para a direita: não há cortes, há reposições, mas não pode haver execuções aceleradas que tudo estraguem.

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O ministro das Finanças tomou as rédeas da defesa do Orçamento para 2019 Reuters/RAFAEL MARCHANTE

Durante o debate, Mário Centeno teve um lapsus linguae. Falou do que pode acontecer quando voltar ao Parlamento daqui a um ano. Assim, no meio de uma resposta, poderá não querer dizer nada, mas o discurso que o ministro das Finanças fez nesta segunda-feira na Assembleia da República dá indícios de que quer (pelo menos) que as suas ideias continuem a definir as políticas do país. Nessa definição do caminho a desenhar depois das eleições legislativas de 2019, o ministro pede prudência e "caldos de galinha" ou, nas palavras financeiras de Mário Centeno, “responsabilidade” financeira e económica e uma “execução” que não se quer “acelerada” para que o país não “volte atrás” no tempo.

“Não houve cortes nem [vai haver] execuções aceleradas que possam colocar o país em risco. Não temos mandato para isso", disse o ministro, cimentando uma ideia que foi lançando quer para a esquerda quer para a direita. António Costa terá gostado deste seu ministro, que se foi fazendo político, e que no debate do Orçamento na generalidade vincou a ideia que o Governo quer moderação e está para as contas do país como o partido quer estar no espectro político: numa posição de charneira.

Se a esquerda pede mais e mais rápido e a direita maior controlo orçamental, intervalando com pedidos de mais investimento nos serviços públicos, Centeno quer mostrar com este Orçamento que vai até onde a consolidação das contas públicas o deixam ir e que esta estratégia de estímulo da economia e acerto no défice tem dado frutos. “Pela primeira vez na história da democracia, um Governo cumpriu com o que se propunha fazer e fê-lo sem vacilar, sem euforias, sem triunfalismos ou eleitoralismos”, defendeu, lembrando que este é um Orçamento que assegura um "enorme alívio fiscal". “Não foi fácil aqui chegar. Dá muito trabalho ter sorte. A sorte não é um acaso nem vive de facilitismos”, acrescentou.

Durante o debate, Mário Centeno foi sujeito a vários testes a esta sua posição ao centro. E acabou por deixar recados para os dois lados. Foi em respostas ao PCP e ao CDS que pediu responsabilidade, para que os medos do passado não voltem a assombrar as contas públicas.

Os partidos à esquerda que suportam o Governo foram nos últimos dias avisando para as medidas que não querem deixar cair e que vão forçar no debate durante as próximas quatro semanas. Se o trabalho sobre o documento passa agora para a Assembleia da República, Centeno não quer vê-lo muito alterado. “O Governo pretende que seja equilibrado e não ponha em causa esta trajectória. Porque, se o fizermos, vamos fazer com que todas as outras conquistas que alcançámos possam ser postas em causa. E isso é coisa que não queremos.” E insistiu: "Esperamos que o debate seja guiado pelo sentido de responsabilidade que perpassou toda a legislatura”. Foi o que disse quando respondia a João Oliveira. O líder parlamentar do PCP lamentou que “as metas do défice continuem a ser colocadas à frente dos direitos e medidas positivas para os trabalhadores”.

Para o CDS, a resposta foi no mesmo sentido, mas seria no entanto mais incisiva e discordante. Depois de Assunção Cristas ler uma extensa lista de investimentos que foram prometidos nos últimos anos mas tardam em ser executados, Centeno respondeu-lhe: "Se quiser financiar esse guião eleitoralista, tem de nos dizer como fazia. Aumentava o financiamento externo? Os impostos?”.

Pergunta semelhante haveria de fazer ao PSD, comparando o partido à rábula da “Olívia costureira e da Olívia patroa”, que quer “aumentar a despesa” e logo a seguir “reduzir os impostos”. E ainda deseja que o défice seja mais baixo. "Temos um mês pela frente para os senhores explicarem como isto se faz e quais as vossas verdadeiras intenções e análises sobre o Orçamento."

Nos resumos de Centeno, o Orçamento para 2019 faz a quadratura do círculo: “É estável, rigoroso e de bom senso; não é um guião eleitoralista.”

Não foi, no entanto, assim que os dois lados da câmara viram o documento. Apesar de o lado esquerdo já ter confirmado que votará a favor, também já tem trabalhos definidos para a discussão na Comissão de Orçamento e Finanças - a discussão na especialidade, na gíria parlamentar -, que mudarão o documento final, e em que serão debatidas, por exemplo, alterações à taxa de carbono, defendida pelo PAN, ou os acertos que terão de ser feitos aos quadros, por causa do fim do adicional do Imposto Sobre Produtos Petrolíferos (ISP) para a gasolina (ver caixa).

Das caneladas ao papão e à cigarra fanfarrona

O primeiro dia de debate foi profícuo em expressões e classificações do que é este Orçamento, o caminho definido pelo Governo, o Governo e o próprio primeiro-ministro. À direita houve críticas de duas ordens: às políticas espelhadas no Orçamento e a quem as executa.

O ponto mais quente foi protagonizado pela líder do CDS que desferiu um ataque violento ao primeiro-ministro. Acusando-o de “cobardia” por não dar a cara no debate e deixar tal tarefa a Mário Centeno, Assunção Cristas usou o palco de onde não lhe responderia António Costa: “Um primeiro-ministro que se furta ao debate é um primeiro-ministro fraco; pode viver da habilidade e do esquema, mas será sempre fraco na estatura.”

No PSD houve um regresso aos tempos da liderança de Passos Coelho. Foi Hugo Soares, então líder parlamentar, a fazer a intervenção do partido no púlpito, e Maria Luís Albuquerque a fechar o debate, fazendo a última intervenção. Este regresso às figuras da liderança anterior culminou na ideia de que o Governo pode contar com outros partidos, mas com o PSD não.

Primeiro foi o deputado Adão Silva a criticar as “caneladas, às vezes às claras, às vezes por baixo da mesa” entre os partidos da maioria, para conseguirem ganhos. Depois foi Hugo Soares a insistir na tese do Orçamento eleitoralista, que não aproveita a conjuntura: “O Governo desaproveita a oportunidade e faz de cigarra fanfarrona”, disse. Mas isso tem um resultado: “Hipotecam o futuro e trocam-no pelo eleitoralismo orçamental. Na verdade, trocam o futuro pelo vosso umbigo político. Este OE é uma espécie de última cartada para António Costa tentar ganhar as eleições que nunca ganhou.”

À esquerda, além dos habituais avisos a Centeno sobre a necessidade de investimento e de cuidado com a dívida, houve um juntar de forças para rejeitar as críticas da direita. "Os deputados do PSD e do CDS já não podem contar com o medo para vos ajudar. O discurso do susto, do papão e do diabo morreu e não há medo que sustente o discurso da direita", disse a deputada bloquista Mariana Mortágua. Já José Luís Ferreira, d’Os Verdes, defendeu as negociações no Parlamento, marcando a diferença para o Governo anterior. Com a actual maioria, disse, “não houve birras irrevogáveis” para que alguém chegasse a vice-primeiro-ministro.

Num dia em que não quis sair daquele círculo central que desenhou para si, e um dia depois da eleição de Jair Bolsonaro no Brasil, Mário Centeno arriscou-se a navegar por águas mais de definição política, para dizer que há sempre escolhas a fazer e que as do Orçamento não são simples: "O populismo é, aliás, filho das soluções simples. Estas são as nossas escolhas."

Nesta terça-feira, o orçamento para 2019 é debatido todo o dia e será aprovado pelo PS e pelos partidos à sua esquerda.

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