My Memory of Us anda de mãos dadas com a amizade

Bem estilizado e determinado a mostrar o poder da amizade em tempos de guerra, o jogo da Juggler Games poderia ser memorável se fosse mais virtuoso na forma como lida com a sua inspiração histórica.

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Em My Memory of Us, o acto de dar as mãos é a metáfora mais visível para a união em tempos de desespero. A produtora polaca Juggler Games inspirou-se no Holocausto para levar as duas personagens a uma aventura que por diversas vezes toca os pontos mais baixos destas vidas ainda curtas.

O arco narrativo foca-se na invasão de um exército de robôs a mando do poderoso Evil King, não demorando muito até ser mostrado aos jogadores a segregação dos cidadãos de segunda categoria, que na obra são ilustrados como pessoas que ostentam a cor encarnada e que fazem claramente lembrar A Lista de Schindler – um dos jovens protagonistas acaba por ser transformado num desses cidadãos.

Ao longo do argumento há diversos momentos em que esta segregação serve também para separar as duas crianças que o jogador controla, sendo um mecanismo que funciona como pano de fundo a vários puzzles e que alimenta os sentimentos provenientes da separação e da reunião. 

A emoção chega até aos jogadores em determinados momentos, alguns dos quais agridoces, como a celebração de um aniversário dentro de um bunker – a felicidade do momento e do bolo escondido debaixo da boina, mas há também as bombas a caírem à superfície. Estas vagas emocionais sucumbem, no entanto, quando estamos a lidar com a massa mais extensa da jogabilidade.

Em My Memory of Us, os jogadores controlam as duas crianças ao mesmo tempo, bastando o pressionar de um botão para trocar entre os dois protagonistas. Cada uma tem as suas próprias habilidades: a rapariga pode, por exemplo, usar uma fisga e correr, enquanto o jovem rapaz pode usar um espelho para reflectir a luz e cegar temporariamente os guardas, além de conseguir ser furtivo. Quando a dupla está de mãos dadas, a personagem que está à frente garante essa habilidade aos dois – seja correr ou esgueirar-se de forma furtiva.

Sendo uma obra que se apresenta em duas dimensões com deslocação horizontal, estas habilidades são usadas resolver alguns dos entraves colocados à exploração, servindo também como componentes de vários puzzles. É um claro piscar de olho aos enigmas normalmente avistados em aventuras gráficas, apresentando-se aqui com processos mais ligeiros.

É preciso analisar as redondezas, compreender as dicas visuais que outras personagens ou o próprio cenário exibem, e ir calmamente solucionando os obstáculos passo a passo. Em determinados momentos há alguns testes que nos fazem chegar a combinações de números, mas nunca chegam a ser nada tão exigente como as obras da LucasArts, nem tão recompensadores ou criativos.

Não há grandes exaltações por esta estadia de processos mornos. Aliás, os maiores picos revelam-se quando o básico da jogabilidade – como subir caixotes, aceder a novas áreas ou simplesmente interagir com determinados objectos, se revela rombo. Ocasionalmente, é necessário colocar a personagem no ponto certo quase ao milímetro para que o comando seja executado.

Há uma desconexão ocasional entre o grafismo e a fonte de inspiração. Contudo, olhando apenas para a arte que é apresentada no ecrã, My Memory of Us resulta como um bom exercício na estilização dos cenários e das personagens – seja a dupla de protagonistas, sejam os cidadãos dispersos, seja o próprio exército robô. O contraste entre o cinzento abundante e os detalhes encarnados numa mesclagem reminiscente do steampunk é sólido e ganha uma interessante dimensão graças ao “falso” 2D usado, ou seja, tudo isto acontece em vários planos visuais.

As personagens não são vocalizadas e a banda sonora faz o que lhe compete para assinalar os momentos mais marcantes, sobretudo as cenas de interlúdio que explicam a narrativa e o seu avançar. E é nestas cenas que está o melhor da sonoplastia: a vocalização da narração está a cargo do actor Patrick Stewart, que assina um trabalho com o ritmo, tom e dicção ideais. Estas cenas ficam aquém apenas por serem escassas.

Desde o momento em que uma jovem rapariga entra numa livraria e encontra o livro que despoleta as memórias que jogamos até ao final da aventura são mais de cinco horas. Durante esse período, My Memory of Us não se revela um jogo mau, mas sim um jogo que poderia ser mais fervoroso, mais acutilante. Há as emoções entre os amigos e um final que, alimentado pela explicação da fotografia rasgada que está na origem destas memórias, consegue ser um momento fracturante e terno em apenas alguns minutos. Mas podia haver mais entre o início e o final.

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