A banalização de Bolsonaro e a tragédia do Brasil

Não é possível banalizar Bolsonaro, até porque é ele que se propõe mergulhar o Brasil no coração das trevas.

A 8 de Abril passado, na sequência da prisão de Lula, escrevia aqui: "O que se impõe agora perante os nossos olhos é o monstro político – e, em contraponto, judiciário – em que se tornou o Brasil, esse país onde a corrupção passou a ser o meio normal de fazer funcionar a máquina do poder, perante a abdicação e a cumplicidade da classe política, da esquerda à direita. É a suposta fatalidade dessa engrenagem infernal e trágica que tem de ser destruída para que o Brasil possa libertar-se dos monstros que o aprisionam e das paixões mortíferas que o condenam ao desespero."

Seis meses depois, a engrenagem gerou novo monstro que, embora previsível, ninguém verdadeiramente antecipara: um jagunço militar de extrema-direita parece ter a vitória assegurada nas presidenciais brasileiras de hoje. Pior ainda do que isso, porém, é a polarização da sociedade entre dois extremos, com um clima larvar de guerra civil pairando como uma nuvem sombria no horizonte.

O Brasil tornou-se o caso de estudo mais perturbador das tendências extremistas e disruptivas a que assistimos no mundo contemporâneo, quer pela importância geopolítica do país, quer pela intensidade com que esses fenómenos se concretizaram, ultrapassando exemplos próximos como os populismos europeus, orientais (as Filipinas de Duterte) ou americanos (de que o caso Trump é o paradigma). A velocidade estonteante com que as redes sociais – também muito presentes na campanha presidencial americana – se substituíram aos tradicionais meios de comunicação e à própria ausência física do candidato Bolsonaro (depois da já célebre facada que o afastou do palco eleitoral) excedeu tudo o que se julgaria possível, mostrando até onde pode chegar o efeito conjugado das fake news com o desespero e a alienação de uma sociedade exposta às mensagens mais primitivas de ressentimento, ódio, vingança e violência.

Evidentemente, não há efeitos sem causa – e não faltaram causas para alimentar esta corrida alucinante para o abismo, desde a corrupção, a insegurança, a criminalidade desenfreada e a crise económica que foram minando, de forma vertiginosa, o capital das conquistas sociais do "lulismo" e criaram um vazio propício ao aparecimento de um homem providencial de inspiração justiceira e fascista. Só que, além do mais, esse homem providencial não passa de um espectro – que se limita, quando o faz, a enunciar grosseiramente uma súmula de slogans tão alarves que tornam, por comparação, a linguagem de Trump um sofisticado exercício político.

A tentação dos extremos criou um clima de hostilidade radical onde os campos respectivos se entrincheiram atrás de culpabilizações mútuas e, à primeira vista, insuperáveis. Mas há também, como temos visto em Portugal, nomeadamente entre alguns que começaram por denunciar Bolsonaro como fascista, uma espécie de rendição à lei do mais forte, ou seja, do triunfador anunciado das eleições de hoje: o de o aceitarem como alternativa à desordem, como se Bolsonaro não fosse a encarnação espectral dessa desordem, do caos social, da liberalização generalizada do porte de armas que tornariam o Brasil uma versão moderna do far-west. Não será esse um dos efeitos perversos da submissão à ditadura dos likes das redes sociais onde alguns comentadores cultivam o seu estatuto tribunício?

Se Bolsonaro vencer, como tudo indica, as eleições de hoje, o que espera o Brasil não é a miragem de uma nova ordem ditatorial-militar que irá extirpar os males endémicos de que o país sofre, mas uma desordem acrescida àquela que hoje existe, onde os gangs, pistoleiros e cangaceiros da mais variada natureza ameaçam ocupar o vazio. Não é possível banalizar Bolsonaro, até porque é ele que se propõe mergulhar o Brasil no coração das trevas.

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