Lorna Tucker sobre Westwood: Punk, Icon, Activist: “Eu tinha de me distanciar e não ser uma superfã”

O documentário Westwood: Punk, Icon, Activist da britânica Lorna Tucker passa este sábado no Doclisboa, às 21h30, na Culturgest. Falámos com a realizadora quando apresentou o filme no Festival de Cinema de Sundance, já depois de Vivienne Westwood ter dito que não se reconhecia na obra.

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Vivienne Westwood em Westwood: Punk, Icon, Activist dr
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A realizadora Lorna Tucker Robin Marchant/Getty Images)

Quando estreou o seu primeiro documentário de longa-metragem, Westwood: Punk, Icon, Activist, na edição deste ano do Festival de Cinema de Sundance, a realizadora britânica Lorna Tucker estava compreensivelmente nervosa. Nos últimos três dias quase não tinha dormido e provavelmente não iria dormir nada nos seguintes, pois a rainha da moda britânica rapidamente se distanciou do filme.

“O documentário sobre Vivienne Westwood, com exibição prevista para este ano, Westwood: Punk, Icon, Activist, foi produzido e realizado por uma terceira entidade e como se apresenta actualmente não é aprovado por Vivienne Westwood”, divulgou a empresa da criadora britânica em comunicado. “Lorna Tucker pediu para filmar o activismo de Vivienne e acompanhou-a ao longo de alguns anos, mas não chega a haver sequer cinco minutos de activismo no filme, e em vez disso surgem muitas imagens de moda antigas que se podem ver gratuitamente na Internet. É uma pena, porque o filme é medíocre, e Vivienne e Andreas não o são.” O filme passa no Doclisboa neste sábado, às 21h30, no Grande Auditório da Culturgest, em Lisboa.

A comendadora Vivienne Westwood, de 77 anos, tinha aceitado introduzir Tucker, uma ex-modelo, no seio do seu mundo no pressuposto de fazer um filme sobre o seu activismo na área ambiental. Já antes tinha apoiado um documentário de Tucker acerca de mulheres maltratadas, e Tucker tinha realizado em 2013 uma curta-metragem de moda para o projecto de Westwood Climate Revolution (Red shoes, com Lily Cole), tendo também colaborado numa série de curtas-metragens quando Vivienne Westwood foi editora convidada da revista britânica Dazed. Tucker estava nervosa aquando da nossa entrevista no Sundance, porque estava bem ciente de que Westwood poderia ter uma reacção intempestiva, isto, apesar de já ter visto o filme antes do festival.

“Queria informar”

“Ela riu-se e bateu palmas e a sua opinião foi que não havia suficiente activismo nele e percebi perfeitamente o que ela queria dizer”, recorda Tucker. “Mas tinha de existir um equilíbrio e eu também queria fazer um filme que as pessoas pudessem ver. Vamos exibir na Internet quatro curtas-metragens acerca do seu activismo a anteceder a estreia do filme, de modo que as pessoas possam ter uma noção das diversas coisas que ela faz, mas enquanto contadora de uma história eu tinha de me distanciar e não ser uma superfã e não fazer algo apenas baseada nas necessidades e desejos dela. Queria informar as pessoas. É mesmo muito difícil quando se está a fazer um filme com alguém e sobre esse alguém. Para contar toda a história é necessário manter a nossa independência.”    

Tucker obteve um acesso sem precedentes à estilista e ao mundo em que ela vive. Westwood nunca colocou a sua empresa em bolsa e ainda detém e gere o seu império, e Tucker concentrou o seu filme na designer, enquanto esta ia abrindo lojas nas capitais da moda, Paris e Nova Iorque. Podemos acompanhar a sua equipa, enquanto ela trabalha nas suas criações e também quando concretiza o seu activismo na luta contra as perfurações petrolíferas e as alterações climáticas — mesmo que apenas por breves momentos.

“Quis fazer este filme para que todo o mundo se sentisse tão impressionado como eu fiquei quando pela primeira vez me encontrei com Vivienne, quando vi como ela efectivamente tenta concretizar todas as medidas e o faz com imensa energia”, explica Tucker. “Tem sido muito agradável ouvir as pessoas a dizer que o filme explica bem por que razão ela é tão apaixonada e por que razão se atira a pés juntos. Os amigos e familiares dela que viram o filme dizem que nunca a tinham visto tão genuína. Quanto à Vivienne,  acho que nunca ouvi falar de um artista que tenha ficado cem por cento contente quando se recosta na cadeira e se vê a si próprio.” 

Pesquisando os primeiros anos de vida de Westwood com a ajuda de uma equipa de arquivistas, Tucker descobriu algumas preciosas imagens reveladoras da sua luta para ser aceite. Num determinado ponto do filme, alguns conservadores riem-se dela quando se encontra com a princesa Diana de Gales.

“Quando vi pela primeira vez as imagens de arquivo, pensei que a Vivienne fez muito bem em manter-se firme e digna, porque foi muito difícil. Consegue imaginar ser artista, pôr toda a sua alma em conseguir definir a sua visão, e depois ter alguém a rir-se de si daquela maneira na sua cara? Ela era muito desafiadora.” Tal como muitos outros criadores, Vivienne no fundo é uma artista, apesar de ser uma artista sem igual.

“Quero e posso”

“Acho que Vivienne esteve sempre fechada dentro da sua bolha desde que nasceu e, tal como afirma no filme, acredita sinceramente que aos cinco anos já conseguia criar coisas. Ela pensa a três dimensões e nisso sai ao pai, que era uma pessoa muito visual. Ele trabalhava numa fábrica e subiu a pulso. Tal como o pai, ela tem essa atitude de ‘quero e posso’. Ela não segue as modas, simplesmente surge com as suas próprias ideias. Quando se está assim tão desligada do mundo, mas interessada no que se passa com a humanidade, creio que isso cria o seu próprio espaço e a faz destacar dos outros designers. Ela não pensa: ‘Isto está na moda, vou copiar alguns.’ Ela pensa: ‘Oh, li um livro sobre literatura e realmente inspirou esta peça.’ Vai ver que ela faz uma coisa e isso infiltra-se no inconsciente de outros criadores.”    

A carreira de Westwood como designer de moda começou após ter conhecido e ido viver com Malcolm McLaren, mais tarde manager dos Sex Pistols. “Nós inventámos o punk”, declara Vivienne no filme. Para Westwood, o punk era uma forma de activismo. Ela desafiou o statu quo com as suas roupas provocantes, combinando padrões e tecidos tipicamente britânicos com a estética do punk, ficção científica, steampunk, lojas de segunda mão e sado-masoquismo. Juntamente com McLaren, desenhou as roupas dos Sex Pistols e vendeu-as na loja da Kings Road, em Londres, a que deram o nome de SEX, lançando o punk e revolucionando a cultura popular.  

O novo Malcolm

Por essa altura abundavam as drogas, mas os alucinogénios raramente surgem no filme. “Vivienne não tomava drogas”, nota Tucker. “Ela era a pessoa que ficava pela noite dentro a fazer as roupas. Entrevistei muitas pessoas que não consegui incluir no filme, como Jordan, uma cantora punk que actuava com os Sex Pistols e que era a face visível da loja. Vivienne ia aos concertos e gostava de ouvir tudo aquilo, mas ela passava todo o dia a desenhar e a costurar aquelas roupas. Era mais do género de os homens saírem e tomarem as drogas, enquanto ela gostava mais de beber uma cerveja. Creio que é por isso que ela continua a conseguir fazer tanta coisa com a idade que tem, porque não se destruiu com os excessos de então.” (Malcolm McLaren morreu aos 64 anos, de cancro.)    

Algum tempo após ela e McLaren se separarem, Westwood juntou-se com Andreas Kronthaler, um estudante de Moda austríaco, alto e bonito, que tem menos 11 anos do que ela e é agora o seu marido. Kronthaler, que pode ser considerado o novo Malcolm, também desenha e cria com ela e surge muitas vezes no filme. Andreas refere-se carinhosamente ao “pequenino corpo” de Vivienne. “Gostei muito de mostrar imagens deles dois de pé ao lado um do outro, de forma a podermos ter a real noção de que ela é uma coisinha tão bonita, poderosa e pequenina”, admite Tucker.

Ela também mostra como Kronthaler tem as suas próprias ideias e inspirações, mas não se importa de ficar na retaguarda. “Quando comecei a filmar, não tinha a mínima ideia de tudo o que Andreas fazia, pois até então apenas tinha ido a desfiles e estado ao pé de Vivienne. Foi um grande privilégio poder ver a forma como eles trabalham, mas também vê-lo a diluir-se no fundo. Foi só no último ano de filmagens que ele começou a ser muito mais reconhecido e as pessoas começaram a dizer: ‘Espera aí!’ Ele agora tem a sua própria marca de roupa, Andreas Kronthaler for Vivienne Westwood, e começou a exibir em Paris. A sua linha de roupa é vistosa e floreada e faz referências às criações de Vivienne. Tem sido maravilhoso vê-lo a crescer e a começar a ser reconhecido por si mesmo. Estou muito orgulhosa. Ele merece.”

Ele não é bissexual? “Não, não é. É apenas excêntrico e vivem ambos na sua fabulosa bolha. Penso que os excêntricos são uma raça em extinção, estão mesmo a extinguir-se, e fica-se com a sensação de que são tão diferentes de todos os outros que já conheci, mas isto de uma forma positiva. Mas é uma vida frenética. Conheci um primo do Andreas, o Teddy, e ele contou-me muitas histórias da infância deles e eles sempre foram assim. A família deles é assim, têm uma espantosa extravagância.”

Andreas trouxe alguma ordem à vida dela, sugerimos. “Completamente. Ele percebeu como ela era e efectivamente enriqueceu a vida dela. Eles amam-se muito e acho que, dado que é ela é viciada no trabalho, eles têm de lidar com muita coisa. Ter aquela relação deve ser uma das coisas que segura e mantém tudo de pé.”

Quanto a ter filhos, Tucker diz que possivelmente Westwood já era demasiado idosa quando eles se juntaram. Mas os dois filhos dela surgem no filme. O mais velho, Ben Westwood, filho do primeiro marido, Derek Westwood, é fotógrafo de material para adultos e usa cabelo comprido. Joseph Corré, da sua relação com McLaren, é o fundador da marca de roupa interior Agent Provocateur e tem uma filha de nome Cora. 

“É interessante, porque não pensamos em Vivienne como mulher ou mãe ou avó, porque ela é uma personagem tão própria e definida. Ela nunca adoptou nenhum destes papéis. Acho que isso é muito, muito inspirador, porque para nós, mulheres, é muito fácil assumir esses papéis. Tenho três filhos e tive um quando era muito jovem. Por isso para mim foi muito reconfortante estar junto de alguém que não tem qualquer vergonha de ser quem é, nem pede desculpa por isso.”

Os pés na terra

Outras mulheres entrevistadas sobre Westwood no filme são Bella Freud e a também activista Pamela Anderson. “Ela está neste planeta para agitar as águas”, afirma a actriz da série Baywatch. Mas a modelo Kate Moss é mais incisiva, recordando que Westwood a certa altura lhe disse que ela poderia ter sido a sua única amante. “Nunca me senti atraída por raparigas, mas poderia ter estado contigo.” 

“Kate é espantosa”, diz Tucker. “Ela adora a Vivienne e simplesmente conseguimos comunicar com ela.”

Kate Moss foi a principal modelo de Westwood? “Sara Stockbridge, com os canudinhos louros e que ficou famosa pelas cuecas com pénis, foi a musa de Vivienne durante bastantes anos, mas isso foi antes da era de Kate Moss. Toda a gente adora a Vivienne. Kate disse: ‘Está bem, vou arranjar um tempinho para ti.’ Foi maravilhoso ver como as pessoas continuam a adorá-la.”

É visível que Moss e Westwood, que provêm ambas de famílias da classe operária inglesa, têm muito em comum, incluindo um sentido de humor muito brejeiro.

“Elas vieram do nada, são trabalhadoras incansáveis, mas mantêm os pés na terra”, afirma Tucker. “Estive com a Kate, saímos juntas, e ela é realmente uma mulher espantosa.” Tal como o é Vivienne.

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