Celebrar nas canções de Ary dos Santos a “obra ímpar” do poeta

O espectáculo Ary O Poeta das Canções chega este sábado ao Capitólio, em Lisboa. Joaquim Lourenço, cantor e actor, apaixonou-se pela “obra ímpar” do poeta.

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Joaquim Lourenço em Ary O Poeta das Canções DR

Chama-se Ary O Poeta das Canções e vai fazer dez anos que roda, como concerto, pelos palcos portugueses. Criado em 2008 pelo cantor e actor Joaquim Lourenço, com base no repertório das canções de Ary dos Santos, apresenta-se este sábado em Lisboa, no Cine-Teatro Capitólio (21h30), no ano em se assinalam os 80 anos do nascimento do poeta. A história, por detrás deste espectáculo? Passa por Moçambique e até por Nova Iorque.

Nascido na Chamusca em 1971, Joaquim Lourenço diz-se um “filho da guerra”. O pai, pára-quedista, esteve nove anos na Guerra Colonial. A dada altura, chamou a namorada à Cidade da Beira, em Moçambique, e casaram lá. Até que um dia, já com a gravidez adiantada, ela achou prudente regressar e ter o filho em casa.

Na adolescência, anos 80, Joaquim ouvia os discos dos amigos, porque o pai achava supérfluos os gastos em música, bastando-lhe o rádio. “Um dia chegou aos meus amigos um LP que dizia Born in the U.S.A. [de Bruce Springsteen]. Pus-me a ouvir aquilo, e a cantar, como faziam todos os miúdos daquela idade. Mas quando comecei a reparar nas palavras do que estava a cantar, vi que era a história de um soldado, jovem, que foi para a Guerra do Vietname. E percebi que também vivera quase aquela realidade lá em casa, por interposta pessoa.” Então pensou: porque não haverá isto em língua portuguesa?

Descobrir Sinatra

Aquilo inquietou-o e, nem de propósito, chegou um dia àquele “U.S.A.”, ao mundo do espectáculo. Mas, muito antes disso, um professor pô-lo a declamar poesia logo aos cinco anos (nas primeiras aulas), fez teatro na escola e recebeu uma viola como prenda do pai, aos nove anos, viola que aprendeu a tocar sozinho, recriando de memória as canções que ouvia na rádio. Cantou em bares, mas aplacou o ímpeto para ir estudar para Coimbra.

“Lá fiz a carreira académica, mas aquilo começou a entediar-me. E mudei radicalmente de vida: montei um espectáculo de piano e voz.” Teve uma espécie de epifania, no dia em que Frank Sinatra morreu. “Eu não era grande apreciador dos crooners, porque era aquilo de que o meu pai gostava. Preferia o rock sinfónico dos Pink Floyd. Tive a minha fase roqueira, depois vieram a bossa nova e o jazz. Mas no dia em que o Sinatra morreu vi na RTP um programa onde ele cantava e aquilo soou-me como nunca me tinha soado.” Foi à discoteca em Coimbra e comprou todo o Sinatra que lá viu. “Aí já tinha dinheiro, já tinha uma aparelhagem minha, e andei a ouvir aquilo durante meses.” Foi uma Verão de Sinatra até à exaustão. “O swing, o atrasar dos tempos, tudo.” Foi daí que nasceu o seu espectáculo de piano e voz (“onde me estreei como cantor a ganhar dinheiro”), no dia 1 de Abril de 2000. Na primeira parte, viajava pelos standards do cancioneiro dos EUA, na segunda por standards portugueses que mais se adequavam àquele conceito.

A ida para os Estados Unidos (Nova Iorque) decorreu de um casting: “Eles tinham um programa de actores e cantores estrangeiros que quisessem ir para lá, com protocolo. Fui à aventura, com algum dinheiro no bolso e, contra as minhas expectativas, acharam-me piada.” Foi aceite e ficou, com temporadas primeiro na Broadway (começou no Chicago) e depois no circuito Off-Broadway, como cantor e depois como actor. Aprendeu lá como funciona a grande máquina da produção, numa escala sem paralelo em Portugal.

Ary em palco e em disco

Dois anos depois, voltou. E decidiu montar o espectáculo Ary O Poeta das Canções. “Peguei no Ary porque tem uma obra ímpar e as suas canções são um repertório extraordinário, lírica, melódica e harmonicamente. Os compositores foram beber muito à canção francesa, especialmente o [Fernando] Tordo, e à grande tradição anglo-saxónica, que era o pop-rock dos anos 1960 mas também os crooners americanos.”

Em 2017, o espectáculo deu origem a um CD com 15 canções, da Desfolhada a Kyrie. E a recepção do público, diz o cantor, tem sido muito compensadora. Um exemplo: “Em Lagoa, apareceu-me uma senhora francesa, que sabia muito pouco português, era de origem indiana e criada nas Ilhas Maurícias, que me disse: ‘Percebo muito pouco o português, mas percebi tudo o que você cantou, aquilo que quis dizer com as canções.’”

Com Joaquim Lourenço (voz) estão em palco, em Ary O Poeta das Canções, João Guerra Madeira (piano), João Ricardo Almeida (contrabaixo), André Sousa Machado (bateria e cajón), António Barbosa (violino), Nanã Sousa Dias (saxofones e flauta), Pedro Santos (acordeão), Pedro Amendoeira (guitarra portuguesa), Catarina Gonçalves (bailarina) e Renato Grilo (multimédia). Por cada bilhete vendido, diz a promoção do espectáculo, reverterá um euro a favor da APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima).

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