Um segundo referendo sobre o "Brexit"

Teimar-se em considerar de pedra e cal o referendo de 2016, concretizando uma saída numa altura em que poderá ter havido mutação da opinião dominante, não faria sentido.

1. As sondagens mais recentes no Reino Unido mostram que, em sentido oposto ao que resultou do referendo de 16 de Junho de 2016, se estará a produzir uma inversão de posições entre o lado favorável à permanência e o lado que pretende a concretização do "Brexit".

É certo que as sondagens apenas fornecem indicações sobre o sentido da opinião pública, divergindo por vezes muito substancialmente dos resultados que depois se vêm a verificar. Mas proporcionam dados importantes quanto à percepção dos eleitores sobre o tema que lhes é proposto.

Vai engrossando o caudal dos inquiridos que se pronunciam em sentido favorável à realização de um segundo referendo  - hipótese que a primeira-ministra tem descartado em tom demasiado peremptório.

2. Ora, no mundo actual em constante mutação, nada parece ser inalterável. Não obstante o "Brexit", o Reino Unido, como qualquer outro país europeu exterior à União, poderá em qualquer altura solicitar de novo a adesão, ao abrigo do art.49º do Tratado da União Europeia, introduzido pelo Tratado de Lisboa.

Seria, decerto, politicamente embaraçoso, dar-se, deste modo, o dito por não dito; mas à luz dos Tratados europeus a reversão da posição assumida é sempre possível.

Caso seja demasiado tarde para se deter o processo de saída, este poderia levar-se até ao seu termo, formulando-se de seguida novo pedido de adesão.

3. Se se tornar patente a percepção de que crescente número de cidadãos britânicos terão repensado a sua posição acerca do "Brexit", seria pouco compreensível que se persistisse no caminho da saída sem se formular nova consulta ao eleitorado para clarificar a sua posição actual.

Desde a decisão que deu a vitória ao "Brexit" muita água passou sob as pontes. Teimar-se em considerar de pedra e cal o referendo de 2016, concretizando uma saída numa altura em que poderá ter havido mutação da opinião dominante, não faria sentido.

Tenha-se em conta, para mais, que foi escassa a margem que separou as posições no referendo de 2016 (52% pela saída, 48% pela permanência).

4. A critica que é usual fazer-se à artificialidade da repetição de referendos sobre Tratados europeus não procede no presente caso. Os segundos referendos realizaram-se em certos países da União (Irlanda, Dinamarca) imediatamente após o voto de rejeição aprovado nos primeiros, não tendo havido tempo para que se verificasse uma alteração substancial de circunstâncias. Foram apenas precedidos de acertos cosméticos, com vista a convencer os eleitores a mudarem de posição.

Em contraste com isto, entre o referendo britânico de 2016 e o momento fixado para a concretização do "Brexit" decorrerão praticamente três anos, espaço de tempo em que muita coisa se terá passado, justificando, nas presentes circunstâncias, nova consulta ao eleitorado.

O impulso para a realização de um novo referendo britânico dependerá, em boa medida, da atitude dos negociadores por parte da União. Uma posição de dureza em face das pretensões britânicas sobre as condições do "Brexit", além de ser um dissuasor de tentativas de formulação de pedidos de saída, por parte de outros países membros, poderá ter também o efeito de pressionar o Governo e o Parlamento britânicos no sentido da promoção de um segundo referendo.

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