A altura certa para Ata Kak

O músico ganês que gravou uma cassete no Canadá no início dos anos 1990 e desistiu da música até ser descoberto na década de 2000 estreia-se em Lisboa esta sexta-feira no Musicbox.

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O percurso de Yaw Atta-Owusu não é igual ao de outros músicos que incendeiam as pistas de dança. No início dos anos 1990, quando o ganês vivia em Toronto,Canadá, comprou, com o dinheiro ganho a trabalhar numa fábrica, equipamento musical em segunda mão e montou um estúdio no seu apartamento. Aprendeu, a custo, a gravar música. "Não sabia o que estava a fazer porque não estava familiarizado nem com o computador nem com o órgão, tive de aprender tudo sozinho. Ninguém me ensinou nada", conta pelo telefone. Completado o disco, enviou o resultado para o seu irmão gémeo no Gana, que trataria de fazer uma capa e produzir as cassetes para depois as vender, o que acabou por não acontecer. Terão sido feitas 50 cópias e vendidas apenas três.

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“Agora olho para trás e penso ‘graças a Deus’. Fiz algo bom, só que a altura não era a certa”

Foi, nas palavras do próprio, "um desastre" que o fez "esquecer" completamente a música ao longo dos anos seguintes. A coisa teria ficado por aqui. Mas, felizmente, ele, já tendo desistido, foi finalmente descoberto e chegou à ribalta pela primeira vez. "Agora olho para trás e penso 'graças a Deus'. Fiz algo bom, só que a altura não era a certa. E agora é a altura certa e cá estou eu." A altura certa poderá ser testemunhada esta sexta-feira, no Musicbox, quando o músico se estrear em Lisboa na penúltima noite da 12.ª edição do festival Jameson Urban Routes. E demorou bastante tempo até chegar aqui.

Em 2002, o estudante de etnomusicologia norte-americano Brian Shimkovitz passou um mês a viver no Gana, onde comprou uma cassete. Obaa Sima era o nome do disco que tinha sido lançado em 1994 por um artista que se auto-intitulava "Ata Kak", nome que Yaw Atta-Owusu escolher para lançar música (algo como "gémeo pequeno", no sentido de ser o mais novo). A aquisição de Shimkovitz ficara esquecida dentro de uma caixa durante uns tempos. Quando a abriu, o comprador encontrou sons estranhos cantados em língua axante, funk/pop/rap/house mutante e algo fantasmagórico, até porque a música estava mais acelerada do que a gravação original. Quatro anos depois, inspirado pela música de Ata Kak, Brian Shimkovitz começou um blogue dedicado a partilhar essa e outras pérolas obscuras africanas: Awesome Tapes from Africa, que deu depois origem a uma editora. O sucesso cibernético foi imediato, mas Shimkovitz, que faz DJ sets com decks de cassetes, demorou oito anos a encontrar o autor daquele álbum. Ninguém sabia quem ele era, mas o passa-palavra levou Brian até ao filho do músico, que entretanto tinha voltado ao Gana.

"O Brian veio-me dizer pessoalmente que as minhas músicas estavam na internet. Não fazia ideia. Disse-me que as pessoas estavam a fazer dinheiro com elas", conta Ata Kak. Brian Shimkovitz decidiu montar-lhe uma banda, encabeçada pelo produtor, DJ e editor sul-africano Esa Williams, que reuniu outros músicos africanos radicados em Londres, para tocar ao vivo. "Precisávamos de um baixista, alguém para tocar órgão, alguém para programar os ritmos e tudo. Ele juntou um grupo, passámos tempo em Londres, e começámos a andar em digressão", continua. Isto foi há três anos. Antes disso, Ata Kak já tinha dado concertos no Canadá, com uma banda de highlife, o género musical africano, como baterista (quando vivia na Alemanha, onde esteve primeiro, tinha com uma banda de versões de reggae), mas nunca tocara as suas próprias composições em frente a público.

E é algo em que se esmera a sério, como partilha com orgulho: "Os outros músicos, os jovens, quando actuam, só cantam. Nos anos 1970, os grupos e os músicos não cantavam só, também dançavam. Porque isso é entretenimento." Para Lisboa, promete um "espectáculo incrível": "Vou fazer algo que tem sido a espinha dorsal do entretenimento: cantar, dançar, andar de um lado para o outro, saltar, fazer tudo o que posso para entreter o público", promete. 

Em 2016, era suposto Ata Kak, o nome que escolheu para lançar música, ter-se estreado em Lisboa, no Lux, mas um contratempo e uma tempestade acabaram por lhe trocar as voltas e fazer com que o avião afinal ficasse preso no Algarve.

O apelo dos anos 1970

Foi na década de 1970 que Ata Kak cresceu como ouvinte de música. O disco-sound de nomes como KC & The Sunshine Band ou Kool & The Gang, entre outros, era uma parte importante da sua dieta musical. "Pop, reggae, funk, country, oiço todo o tipo de música. Sou um músico, oiço os outros e tento ver de que é que o mundo precisa", proclama. "Inicialmente, a minha música era só funk e pop. Ouvi Grandmaster Flash e pensei que conseguia fazer isso e incorporei isso", conta. Mas a influência do rap não é assim tão grande, já que, confessa, não gosta de quando "jovens músicos gostam quase só de música rap" e acha que a maioria do rap "não tem um bom ritmo, comparado com a geração antiga". "Eu cresci na era do disco e tinha tudo que ver com o ritmo e a dança. É o que faço. Mantenho-me na minha música e no que acho que funciona para mim." Ainda assim, assegura que, quando tiver novo álbum, terá outra vez partes rap.

É que, entretanto, tem temas novos e um álbum que, se tudo correr bem, sairá no ano que vem. Tem dito, ao longo dos anos, que o resultado soará melhor do que Obaa Sima. "Há uma diferença entre 1992 e 2018. O equipamento que usava está obsoleto, ultrapassado. Vai ser um bocadinho diferente, mas ritmo e a música, basicamente, vão ter o mesmo sentimento", explica. Não tem medo de perder a magia da música original, que aconteceu mais ou menos por acidente? "Quando comecei a gravar os novos sons, percebi que soavam diferente do que eu tinha feito nos anos 1990. Tive de parar e reagrupar, pensar bem sobre isso, porque a tecnologia mudou. Antes gravava sozinho, no meu apartamento, no meu próprio estúdio. Agora estava no estúdio doutra pessoa, com instrumentos diferentes e tecnologia moderna. Torna o som bastante diferente. E não gostei. Foi por isso que demorei muito tempo para fazer um segundo álbum. Ainda estou a trabalhar nele, para não soar a música moderna. Espero ainda ter o sabor original", responde.

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