Tribunal que julga Comandos “não admite que nenhuma testemunha seja ameaçada ou intimidada”

Juíza que preside ao julgamento dos Comandos avisou que caso seja necessário “avançará com processos-crime por coacção”.

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daniel rocha

No dia em que as atenções estão centradas nas declarações dos pais de Hugo Abreu, um dos dois jovens que morreram no curso 127 dos Comandos, em Setembro de 2016, a audiência desta quinta-feira do julgamento de 19 militares arguidos neste processo começou com a juíza Helena Pinto a afirmar que tinha uma declaração a fazer que “não seria susceptível de alegações” por parte dos advogados.

“Depois de informações que chegaram a este tribunal”, a magistrada quis deixar claro que “o tribunal não admite que ninguém seja ameaçado ou intimidado”, seja “testemunha, assistente ou arguido”. E avisou: “O tribunal tomará as providências que sejam necessárias e avançará com os respectivos processos-crime por coacção.”

A juíza Helena Pinto afirmou mais do que uma vez que a declaração, proferida no início desta audiência, “não seria susceptível de alegações por parte dos advogados”. Não acrescentou  pormenores sobre as circunstâncias que motivaram a sua advertência.

Esta audiência acontece imediatamente a seguir às audições da semana passada em que os pais de Dylan da Silva, o outro recruta falecido no curso de Setembro de 2016, contaram que o seu filho sofreu agressões durante o estágio antes do início do curso. Na audiência da semana passada, também foi ouvido Rodrigo Seco, um instruendo lesado que desistiu do curso e se constituiu assistente no processo. Na sua audição, que continua esta quinta-feira à tarde, Rodrigo Seco relatou os acontecimentos a partir do momento em que não se sentiu bem, logo no início do primeiro de três dias da Prova Zero, em Setembro de 2016. Sentia tonturas, via tudo à roda, tinha muita sede, mas não tinha noção do tempo que passava. Não tinham relógio e desde a véspera que não sabia o que os esperava.

"Quando não aguentávamos, éramos castigados”, afirmou então. Ele e três colegas do mesmo grupo – todos com sinais de não estarem a reagir bem à instrução – só se aperceberam que não tinham almoçado naquele dia 4 de Setembro, quando um amigo lhes disse que a hora do almoço já passara. Não sabe a que horas este desenrolar de episódios pouco nítidos foram acontecendo, mas lembra-se da sequência e de ser levado com outros instruendos para as tendas e não para a enfermaria quando, já na viatura que os transportava, Hugo Abreu revirava os olhos.

Sobre Hugo Abreu, disse: “Ele já estava caído no chão, de olhos fechados, e nós camaradas metemo-lo dentro da viatura connosco. A viatura arrancou para a área das tendas” e da enfermaria. “O Hugo ia deitado, e revirava os olhos. Nós íamos sentados no chão, e o camarada Garcia pôs-lhe a cabeça em cima das pernas. O Garcia chamava-o e ele não reagia a nada. O Silva abriu-lhe a boca porque ele estava a querer enrolar a língua”, contou Rodrigo Seco que também seguia prostrado nessa carrinha. Recorda-se do que viu e do momento em que “a viatura parou e o 1º sargento Rodrigues [que ia na cabine] entrou para trás”. Assim que ele entrou para o pé deles, “alguém lhe disse que o Abreu não estava bem”. E o instrutor? “Deixou-se ficar, dizendo que o Abreu estava bem e perguntou ao camarada: ‘Mas tu agora és enfermeiro?’ Lembra-se ainda do momento em que “o camarada Silva caiu para o lado e deixou de reagir”.

Horas depois, Hugo Abreu morria (às 21h45) e mais tarde Dylan da Silva era transferido para o Barreiro. Além dos dois jovens que morreram, oito foram internados. Apenas Rodrigo Seco optou por falar em tribunal. Na semana passada, no final do seu depoimento, o procurador José Niza informou Rodrigo Seco que, caso sentisse necessidade, lhe poderia ser garantida segurança. Seco tinha começado por afirmar que não se sentia inibido de falar perante o tribunal e os arguidos.

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