“Ministro da Defesa foi uma pessoa bruta e fria para uma mãe que tinha acabado de perder o filho”

Mãe de Hugo Abreu, uma das duas vítimas de 20 anos do curso 127 dos Comandos, recorda conversa com ex-ministro Azeredo Lopes e diz que o Exército nunca pediu desculpa.

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Julgamento prossegue no Tribunal Central Criminal no Campus da Justiça em Lisboa Daniel Rocha

Ouvidos em separado, na quarta audiência do julgamento dos Comandos, os pais de Hugo Abreu contaram nesta quinta-feira em tribunal como foram surpreendidos, na madrugada de 5 de Setembro de 2016, por um telefonema de Portugal. Era a cunhada de Ângela Abreu, que por sua vez tinha sido avisada pela mãe, avó de Hugo, que acabara de receber, na sua casa na Madeira, a visita de dois militares do Exército. “Disseram-lhe que o Hugo tinha tido um acidente, não resistira e falecera”, contou a mãe de Hugo Abreu, o sargento de 20 anos que morreu no dia 4 de Setembro à noite depois do primeiro de quatro dias da Prova Zero do curso 127 dos Comandos.

Era colega de instrução de Dylan da Silva, um soldado também de 20 anos, que viria a falecer seis dias depois no Hospital Curry Cabral por causas idênticas às da morte do sargento: falência multiorgânica provocada por desidratação extrema.

Ângela Pita Abreu e o marido, José, pai de Hugo Abreu, vieram de França para serem ouvidos na quarta audiência do julgamento dos 19 arguidos, todos militares, instrutores ou responsáveis do fatídico curso, que prossegue no Tribunal Central Criminal no Campus da Justiça em Lisboa. Também na altura, os pais viviam em França, e o filho estava em Portugal. Sabiam que frequentava um curso do Exército, mas o filho não lhes contara tudo. Não sabiam que Hugo tinha ingressado nos Comandos.

Quando receberam a chamada a informar da morte do filho, saíram ainda de noite, de carro, para uma viagem de 11 horas. Durante o percurso, já o sol despontara, quando receberam uma chamada do então ministro da Defesa, Azeredo Lopes, a transmitir as condolências pela perda de “um ente querido”. “Foram as suas palavras”, esclarece Ângela Abreu. “Eu não quis ouvir e disse: ‘Mataram o meu filho.’”

Azeredo Lopes garantiu-lhe então que “iam abrir um inquérito, iam abrir averiguações” para esclarecer as circunstâncias da morte. Mas quando Ângela se enganou e se dirigiu ao ministro pelo nome Azevedo, ele prontamente a corrigiu dizendo num tom seco: “Não é Azevedo, é Azeredo”, recordou em tribunal. “Eu não consegui falar com ele. O ministro foi uma pessoa bruta e fria para uma mãe que tinha acabado de perder o filho.”

Chegaram a Portugal pelas 16h do dia 5 de Setembro. O filho falecera às 21h45 da véspera, na enfermaria montada no Campo de Tiro de Alcochete onde decorria a Prova Zero na qual participavam 67 instruendos. Uma semana depois, já de França, Ângela Pita Abreu tentou ligar ao ministro, mas este, segundo ela, não atendeu.

Ainda mantém contacto com o psicólogo do Exército, com quem fala e de quem recebe ajuda, mas da instituição não recebeu nenhum pedido de desculpa.

Proteger os pais

Questionado pela juíza sobre o que terá motivado o filho a esconder a sua escolha pelos Comandos, José Abreu disse: “Não nos contou porque nós iríamos opor-nos." Quando chegou a sua vez de falar, a mãe de Hugo, que até então ficara na sala reservada às testemunhas que ainda não prestaram declarações, confirmou que não sabia que o filho tinha entrado nos Comandos. “Eu penso que ele não nos contou para nos proteger porque ele sabia que os Comandos era uma formação muito difícil.”

Antes, Hugo Abreu tinha mostrado à mãe os filmes americanos de Comandos que via e tranquilizava-a dizendo-lhe que já não morriam pessoas nestes cursos. Mas nunca lhe disse que esse era o seu sonho. Viram o filho pela última vez – em Lisboa – no fim de Julho de 2016. Onde se encontraram? “No Colombo." Ângela não conteve as lágrimas. Contou só que foi uma surpresa que os pais lhe quiseram fazer. (Ele iria depois para o estágio de preparação do curso.) "Ele estava muito bem. Estava forte", acrescenta orgulhosa.

"Agradeci-lhe por ter feito tudo pelo Hugo"

Dois meses depois, no dia 6 de Setembro, quando foram avisados só "tinham na ideia ir ver o filho ao hospital". Como se ainda o fossem ver vivo. O choque foi pois ainda maior quando lhes disseram que só depois da autópsia poderiam ver o corpo. “Estava muito magrinho, olhos negros, cara negra. Só o reconheci pelas mãos, pelos dedos. A cara estava irreconhecível”, contou José Abreu, num depoimento semelhante ao da mulher, que também referiu que o filho estava “desfigurado”, quando finalmente o puderam ver "numa morgue improvisada" no Regimento dos Transportes. "Sou mãe e logo que o vi toquei-lhe nos dedos, e dei-lhe as mãos. Só soube que ele era sargento dentro do caixão.”

Antes de ter visto o filho, e num encontro que teve à chegada de França, agradeceu ao médico do curso, o capitão Miguel Domingues, um dos 19 arguidos acusados de abuso de autoridade por ofensa à integridade física neste julgamento que começou no dia 27 de Outubro.

“O médico disse-me que tinham feito tudo pelo Hugo. Que tinha caminhado, ao lado dele, que ele tinha dito o nome mas que depois desfaleceu. Foram estas as palavras. Tinha dito o nome completo e depois desfaleceu. Agradeci-lhe por ter feito tudo pelo Hugo.”

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