Bolsonaro ataca Folha de São Paulo e a liberdade de imprensa

O candidato da extrema-direita classificou a Folha de São Paulo como menos credível “que uma revista de piada”, ameaçando a sua publicação, no Twitter.

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As associações de jornalismo dizem que o candidato da extrema-direita é uma ameaça à liberdade de imprensa e à democracia Reuters/Ricardo Moraes

O candidato do Partido Social Liberal (PSL) à presidência do Brasil, Jair Bolsonaro, atacou na quarta-feira a veracidade das notícias da Folha de São Paulo e o futuro do próprio jornal, o principal jornal brasileiro em circulação. As associações de jornalistas dizem tratar-se de um ataque à “liberdade de imprensa” e à democracia.

O ataque surgiu horas depois de o jornal ter pedido à Polícia Federal uma investigação às ameaças aos seus jornalistas, com base em “indícios de uma acção orquestrada com tentativa de constranger a liberdade de imprensa”, explica a Folha.

“A mamata da Folha de São Paulo vai acabar, mas não é com censura não! O dinheiro público que recebem para fazer activismo político vai secar, e mais, com sua credibilidade no ralo com suas informações tendenciosas são menos sérias que uma revista de piada!”, acusou Bolsonaro.

Não é a primeira vez que Jair Bolsonaro ameaça a imprensa brasileira, particularmente a Folha. Na mensagem que enviou à manifestação de dia 21 de Outubro na avenida Paulista, o candidato disse que apoia  a imprensa livre, “mas com responsabilidade”: “Sem mentiras, sem fake news, sem Folha de S.Paulo. Nós ganharemos esta guerra. Queremos a imprensa livre, mas com responsabilidade. A Folha de S.Paulo é o maior fake news do Brasil. Vocês não terão mais verba publicitária do Governo. Imprensa livre, parabéns. Imprensa vendida, meus pêsames”.

No dia 18 de Outubro, a Folha publicou um trabalho a denunciar um eventual  esquema de difusão de mensagens em massa financiadas por empresários, alguns próximos de Bolsonaro, na rede WhatsApp, contra o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), Fernando Haddad.

A Folha denunciou que a jornalista Patrícia Campos Mello, autora da reportagem, “recebeu centenas de mensagens nas redes sociais” com “ameaças” de grupos de apoio a Bolsonaro. Os “agressores”, como a Folha lhes chama, fizeram circular memes ofensivos nas redes sociais, incentivaram eleitores de Bolsonaro a confrontar a jornalista quando esta moderar, segunda-feira, um painel, e ligaram-lhe por duas vezes (“uma voz masculina a ameaçou”).

O WhatsApp de Mello foi pirateado e mensagens foram apagadas. Outras tantas mensagens pró-Bolsonaro foram enviadas “para alguns dos contactos da agenda telefónica da profissional”, diz o jornal.

Outros dois jornalistas foram “alvo de um meme”, e o director-executivo do instituto de sondagens Datafolha, Mauro Paulino, foi também ameaçado no Messenger e na sua casa. A Folha avança ainda que entre o dia 19 e o dia 23 de Outubro um dos números de WhatsApp do jornal recebeu “mais de 220 mil mensagens de cerca de 50 mil contas”.

Várias associações de jornalistas condenaram as afirmações de Bolsonaro, que, segundo o The Intercept Brasil (um site noticioso de esquerda), é quem mais tenta censurar a imprensa online, sendo “autor de 23 acções em 2018 para tentar tirar de circulação notícias negativas e publicações críticos da Internet”.

“Os ataques do candidato Jair Bolsonaro e de seus apoiadores contra o jornal Folha de São Paulo são inaceitáveis e indignos de um partido que pretende governar o país”, disse o director da secção América Latina dos Repórteres sem Fronteiras, Emmanuel Colombié.

Também o secretário-geral dos Repórteres sem Fronteiras, Christophe Deloire, se manifestou: “Os eleitores brasileiros não devem se deixar enganar pelos discursos de fachada, por trás dos quais se esconde uma verdadeira violência que não poupará o jornalismo. Jair Bolsonaro é uma grave ameaça para a liberdade de imprensa e para a democracia”.

Em comunicado, o presidente Associação Nacional de Jornais e vice-presidente do Fórum Mundial de Editores, Marcelo Rech, disse que as declarações de Bolsonaro revelam ignorância quanto ao papel da imprensa: “É lamentável esse tipo de comentário, sobretudo vindo de um candidato à Presidência da República, pois demonstra incompreensão sobre o papel do jornalismo. Também é condenável a ameaça de retaliação com investimentos publicitários do Governo, que devem seguir sempre critérios técnicos e não políticos”.

No dia 15 de Outubro, os candidatos à presidência assinaram o termo de compromisso da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), onde declararam respeitar a liberdade de imprensa. O presidente da instituição, Domingo Meirelles, disse em comunicado esperar “que a incontinência verbal do candidato Jair Bolsonaro em relação à Folha de S. Paulo tenha sido proferida no calor das paixões do momento”, e que se “dissolva com o resultado das urnas”.

O Comité para a Protecção dos Jornalistas (CPJ), por sua vez, pediu no Twitter às autoridades brasileiras que protejam os jornalistas encarregues de cobrir das eleições: “Numa democracia turbulenta como a do Brasil, a liberdade de expressão é um direito fundamental, antes e depois da eleição de 28 de Outubro”.

Numa lista de 180 países, o Brasil ocupa a 102.ª posição no Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa de 2018, elaborado pelos Repórteres sem Fronteiras. É um dos países mais perigosos para a prática do jornalismo, devido à falta de protecção e ao clima de impunidade, alimentado pela corrupção na qual o Governo está submerso, diz a organização.

Segundo dados da Associação Brasileira de Jornalismo de Investigação, em 2018 141 jornalistas foram agredidos em contexto político, partidário e eleitoral. “A maioria é atribuída a partidários de Bolsonaro, enquanto o restante é atribuído a apoiadores do Partido dos Trabalhadores”, diz a associação.

Texto editado por Ana Gomes Ferreira

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