Criminosos não merecem respeito? Bastonário acusa sindicato de "populismo"

Bastonário da Ordem dos Advogados reage às declarações da Associação Sócio-Profissional Independente da Guarda, que considerou que os criminosos “não são merecedores do mesmo respeito e consideração" que o cidadão comum. Comissão de Direitos Humanos da Ordem vai discutir o tema.

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Guilherme Figueiredo lê declarações de associação da GNR como uma resposta a um “contexto emocional” e uma “forma populista de pensar, pouco ajustada a estas matérias” Nuno Ferreira Santos

A reacção da comunidade ao crime “deve ser grave”, mas “isso não quer dizer que quem o comete deixe de existir ou de ter direitos”, defende o bastonário da Ordem dos Advogados. Guilherme Figueiredo considera “irreflectidas” e enquadra num contexto de “populismo” as declarações de uma associação da GNR que considerou que os criminosos “não são merecedores do mesmo respeito e consideração atribuídos ao cidadão comum”.

A posição da Associação Sócio-Profissional Independente da Guarda (ASPIG) foi tomada em comunicado a propósito da divulgação — nas redes sociais e em alguns órgãos de comunicação social — das fotografias da detenção dos suspeitos que tinham fugido do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, na semana passada. Uma divulgação que suscitou enorme polémica, foi condenada pelo Governo e por várias organizações e está a ser investigada pela Inspecção-Geral da Administração Interna, a pedido do ministro Eduardo Cabrita.

Dizendo-se “solidária com os profissionais da PSP” envolvidos na fuga e captura dos três detidos, acusados de furtos violentos a idosos, a ASPIG fez saber que “não fica indignada com as fotografias, expostas publicamente, pois considera que os criminosos — nelas identificados como tal — não são merecedores do mesmo respeito e consideração, por parte do Estado e da comunidade, atribuídos ao cidadão comum".

Escritas dessa forma, as declarações da ASPIG “não fazem sentido nenhum” para o bastonário dos advogados, que, quando contactado pelo PÚBLICO, ainda não tinha tido acesso ao comunicado completo onde estas surgem. Guilherme Figueiredo lê-as como uma resposta a um “contexto emocional” e uma “forma populista de pensar, pouco ajustada a estas matérias”.

“Muitas vezes, numa reacção emotiva, as pessoas dizem que quem é preso ou fez maldades não tem direito à imagem, por exemplo. É evidente que isto não faz sentido nenhum", refere o bastonário dos advogados. Uma coisa é o direito à imagem, outra coisa é a sanção que lhe é aplicada mediante o crime que cometeu, que nunca contempla qualquer perda de “consideração enquanto cidadão”.

Guilherme Figueiredo diz que uma coisa é aplicar uma pena, que pode privar um condenado de direitos – como o de liberdade. Mas que isso não o faz perder os direitos de cidadania.

MP abre inquérito

Uma posição mais aprofundada será tomada pela Comissão dos Direitos Humanos da Ordem, na reunião do próximo dia 8. Sobre a publicação das fotografias dos três homens, algemados e sentados no chão, o vice-presidente da comissão, João Barroso Neto, já manifestou a "total repulsa por qualquer demonstração e/ou imagem que ponha em causa a dignidade da pessoa humana".

O ministro da Administração Interna fez saber no sábado que a "polícia portuguesa é uma polícia do Estado de Direito e das liberdades", pelo que "as imagens" dos detidos "como as que circularam não são admissíveis".

O Ministério Público está a investigar as circunstâncias que rodearam a fuga de três detidos do Tribunal de Instrução Criminal do Porto e a sua posterior captura. Em resposta ao PÚBLICO, nesta quarta-feira, a Procuradoria-Geral da República informou que “o Ministério Público não deixará de investigar todas as factualidades susceptíveis de integrarem infracção de natureza pública" relacionadas com o caso.

Já o que repulsa a ASPIG é o "facto de parecer que se vive numa sociedade em que, sistematicamente, o defensor dos cidadãos é constantemente visado em processos que lhe são desfavoráveis, enquanto os prevaricadores parecem usufruir de todos os direitos de defesa e pronto apoio das mais estranhas entidades".

Para a associação, "um Estado de direito democrático só o é de facto quando a autoridade do Estado não é beliscada pela gritaria de certas instituições que promovem a defesa dos direitos humanos sem que, muitas vezes, estejam na posse da realidade dos factos". E acrescenta: “Só o é de facto quando quem tutela as forças de segurança deixe de [sic] ter intervenções que mais parecem anúncios de que o crime compensa quando se indigna com certas imagens de criminosos e, em consequência, determina publicamente que se levantem processos de averiguações, processos disciplinares ou medidas cautelares, onde são visados os agentes de autoridade."

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