Acordos de pré-reforma levam EDP ao banco dos réus

Há cinco trabalhadores da EDP que acusam a empresa de não estar a cumprir os acordos de pré-reforma que assinaram em 2014 e de lhes estar a dever dinheiro. Julgamento decorre esta quarta-feira, no Porto.

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Pré-reformados da EDP queixam-se de incumprimento em tribunais de Lisboa e do Porto RG Rui Gaudencio

Cinco trabalhadores da EDP em situação de pré-reforma juntaram-se para pôr a empresa em tribunal, queixando-se que foram levados ao engano pelo facto de ter sido introduzida nos seus acordos de pré-reforma uma cláusula que, em seu entender, lhes garante a actualização anual das prestações, algo que a empresa agora rejeita. A acção contra a EDP – Gestão da Produção de Energia deu entrada no juízo do Trabalho do Tribunal Judicial do Porto em Janeiro e o julgamento está agendado para esta quarta-feira.

No processo a que o PÚBLICO teve acesso, os cinco trabalhadores querem ver reconhecido o direito a terem as suas prestações pecuniárias mensais de pré-reforma (PPMPR) actualizadas anualmente nas mesmas condições que forem fixadas para os trabalhadores do grupo em sede de negociação colectiva. E, nessa linha, reclamam, no conjunto, um valor de 24.329 euros que entendem que a EDP lhes deveria ter pago a mais se tivesse aplicado às suas pré-reformas a mesma percentagem de actualização acordada com as estruturas sindicais para os anos de 2015 (1%), 2016 e 2017 (1,3% em ambos, abaixo da actualização de 1,4% fixada para 2018, já depois da entrada da acção em tribunal).

Em comum, os autores da queixa, com percursos distintos no seio do grupo e carreiras que rondam os 30 anos, têm o facto de terem sido convidados em 2014 a integrar o programa M60. Fonte oficial da EDP adiantou ao PÚBLICO que este programa, destinado “a altos quadros” em situação de pré-reforma, “abrangeu cerca de 50 pessoas e já não está em vigor”.

Além do processo do Porto, há outro semelhante a correr em Lisboa, também relativo ao programa M60, que tem julgamento agendado para 29 de Novembro, confirmou ao PÚBLICO um dos cinco autores, que no conjunto reclamam 21 mil euros.

No cerne destas acções está a cláusula 3ª do acordo de pré-reforma, que refere que “o valor da base de cálculo da prestação pecuniária” de pré-reforma “será actualizado em condições, percentagem e momentos iguais aos do aumento de retribuições” que se verifiquem “por negociação colectiva” na EDP. Segundo explica a acção, para os queixosos, esta cláusula traduzia uma garantia de actualização anual das prestações - asseguram que foi isso que lhes foi transmitido nas reuniões com os responsáveis de recursos humanos da empresa - e que foi nesse pressuposto que aceitaram o acordo. “A leitura de boa-fé dos termos do contrato proposto não levava a outra interpretação que não a de que a prestação pecuniária mensal seria actualizável anualmente”, descreve um dos autores no processo.

Mas não é esse o entendimento da empresa, como demonstrou a Assessoria das Relações Laborais (ARL) do grupo EDP, em resposta à questão levantada por um dos queixosos já a propósito da actualização de 2016. Numa troca de correspondência que teve lugar antes do caso chegar a tribunal, essa entidade responde que a actualização salarial acordada “tem como condição o limite de aplicação até ao valor da Letra Q”. Na tabela salarial da EDP, a Letra Q é a última base remuneratória abrangida pela negociação colectiva. Acima deste patamar as actualizações fazem-se por decisão da gestão, baseadas, por exemplo no mérito. “A compensação pecuniária estabelecida no seu [do queixoso] acordo de pré-reforma é superior ao limite referido. Nestes termos, não tem fundamento a actualização solicitada”, refere a ARL da EDP.

Já na contestação à queixa, a empresa sustenta que a referida cláusula 3ª foi incluída nos acordos de pré-reforma dos queixosos (e noutros “análogos”) para acolher “a parte do normativo relevante do regime legal de pré-reforma”, que estabelece que esta prestação “é actualizada anualmente em percentagem igual à do aumento de retribuição de que o trabalhador beneficiaria se estivesse em pleno exercício de funções”.

Foi o princípio de “não prejudicar o trabalhador que acordasse a passagem à situação de pré-reforma face aos colegas que, em situação comparável, se mantivessem no activo” que “esteve desde sempre subjacente na celebração deste tipo de acordos” em matéria de actualização, sustenta o advogado da EDP, Luís Sobral. Uma vez que os autores da queixa têm prestações superiores ao limite da Letra Q (que na tabela salarial de 2018 atingiu os 4.107 euros), e que à partida já estavam excluídas do âmbito da negociação colectiva, tal faz com que, no seu caso, não haja lugar a actualizações anuais, explica.

Até porque “não houve um aumento negociado e acordado com as estruturas sindicais, para os trabalhadores que, em pleno exercício de funções, auferiram uma remuneração mensal de montante superior ao valor das bases de remuneração previstas na tabela salarial para o respectivo nível de enquadramento”, reforça a defesa da EDP.

Os advogados dos queixosos (Eduardo Castro Marques e Gonçalo Cerejeira Namora) argumentam, no entanto, que houve realmente vontade das partes em estabelecer uma “norma própria” e um “critério específico” de indexação para “coadjuvar a actualização dos valores da PPMPR e o respectivo cálculo”.

Defendem que o que está em causa não é o conteúdo do instrumento de regulação colectiva de trabalho (IRCT) da EDP, nem “pretenderam as partes, ao identificar aquele critério de indexação, fazer uma qualquer remissão para o conteúdo e alcance” daquele documento “que extravasasse as percentagens de actualização das remunerações”, mas exclusivamente fixar o “índice (ou multiplicador)” escolhido para actualizar as prestações.

Até podiam ter escolhido como indexante a “cotação do barril de petróleo”, a “cotação do bitcoin” ou de “qualquer moeda”, mas o que ficou definido foi a percentagem da actualização fixada em sede de negociação colectiva de trabalho, de modo a garantir “a adequação dos valores a auferir” a título de PPMPR “na mesma e exacta proporção que fossem aumentados os trabalhadores e remunerações” na EDP, frisa a acção.

Em seu favor, os queixosos apontam ainda um acórdão da Relação de Coimbra, que em resposta a um recurso da EDP relativamente ao caso de outro trabalhador que assinou um acordo semelhante em 2008, deu razão ao tribunal de primeira instância.

Não só “o incremento pecuniário derivado da actualização da prestação é susceptível de ser estipulado pelas partes desde a celebração do contrato”, como, sendo a “prestação de pré-reforma um compromisso contratual autónomo, é adequado que tal prestação seja actualizada e actualizável na mesma percentagem e no mesmo momento” em que a EDP “procede ao aumento das retribuições para a generalidade dos seus trabalhadores”, sem que isto “represente um dano despropositado e injusto” para a empresa, considerou a Relação de Coimbra.

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