Um brado contra a plantação de árvores

Será que nos podemos organizar, enquanto sociedade, para aproveitar os milhões de árvores que todos os anos nascem sem nos pedir autorização?

O título deste artigo tem a sua origem no “Um brado contra as montarias de cerco aos lobos na província do Alemtejo”, José Paulo Mira, Évora, 1875, um opúsculo muito interessante sobre as montarias que então se faziam para diminuir o número de lobos no Alentejo.

Não tenho nada contra a plantação de árvores, planto muitas, colaboro numa associação que planta muitas, o que me preocupa é a ideia, errada, de que é no acto de plantar isto ou aquilo que se define a paisagem que teremos no futuro.

A espécie com maior utilização comercial e com menos apoio para a plantação, o eucalipto, é a que mais se expande, muitas espécies, como as várias acácias, também se expandem sem qualquer apoio à sua plantação, muitas outras espécies com fortes apoios à plantação, como a generalidade dos carvalhos, que incluem sobreiros e azinheiras, estão em expansão ligeira, para não falarmos do pinheiro, que com razoáveis apoios à plantação se retraiu dos seus mais de um milhão e duzentos mil hectares há poucos anos para os actuais setecentos mil hectares.

Agora também o Programa de Acção para a Adaptação às Alterações Climáticas propõe mais apoios para a plantação de espécies florestais resilientes ao fogo.

A espécie que é mais usada comercialmente e aquela em que são aplicados modelos de gestão florestal mais consistentes tecnicamente é o eucalipto. Uma nota para deixar claro que, mesmo no eucalipto, os modelos de exploração tecnicamente sólidos são uma minoria, a maior parte da área de eucalipto é meramente extractiva, não tendo qualquer interesse como modelo de gestão da paisagem e tendo um interesse limitado como fonte de riqueza. A sua grande vantagem, para o proprietário, é ser um bocadinho melhor, na produção de riqueza, que as alternativas comparáveis, que não são negócios, são autênticos perdócios, para usar a expressão com que Belmiro de Azevedo caracterizou o seu investimento no PÚBLICO.

Os custos de plantação de um eucaliptal serão um pouco mais do dobro dos custos de gestão até ao primeiro corte, o segundo e terceiros cortes não têm custos de plantação, mas os custos de gestão mantêm-se, pelo que num ciclo de produção (com três cortes) os custos de manutenção serão um pouco maiores que os custos da plantação. Nestas circunstâncias, mesmo com os custos de plantação cobertos a 100%, ou o que se corta gera rendimento suficiente para pagar a gestão, ou não haverá gestão (que é a situação em que está a maior área de eucaliptal do país).

Agora olhemos para a plantação de espécies autóctones ou para esta novidade das espécies resilientes ao fogo. Financiemos a plantação a 100%. Não havendo retorno, não há gestão, naturalmente. Não havendo gestão há acumulação de combustíveis finos (folhas, raminhos, matos, ervas, cascas, manta morta, pinhas, etc.) e a plantação irá arder num período estimado de 12 a 15 anos, podendo haver variações relevantes no número de anos até ao próximo fogo, mas seguramente haverá um fogo antes da plantação ter tido qualquer utilidade para a gestão do fogo.

Será que nos podemos organizar, enquanto sociedade, para aproveitar os milhões de árvores que todos os anos nascem sem nos pedir autorização, acabar com este desperdício de dinheiro que é o subsídio à plantação e concentrar recursos no factor chave para ganhar controlo sobre o fogo, isto é, a gestão de combustíveis? É que o valor de um hectare de plantação paga uns trinta anos de gestão anual e os resultados não comerciais são muito, muito melhores.

Seguramente muito mais gente estaria disponível para gerir a regeneração natural até chegar a matas autóctones maduras, mesmo sabendo que não tiraria dessa opção nenhum rendimento directo.

Na verdade, uma boa parte dos proprietários já não esperam qualquer rendimento das suas propriedades, não querem é perder dinheiro e gostariam que elas desempenhassem um papel social maior que o que desempenham hoje.

O que o financiamento da plantação não garante, mas o financiamento da gestão poderá ajudar a garantir, contribuindo para resolver o verdadeiro problema das terras: a falta de gestão com a consequente falta de controlo sobre o fogo.

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