“Fomos em grupo à esquadra porque tínhamos medo de ir sozinhos"

Prossegue julgamento de 17 agentes da polícia, por crimes de falsificação de auto, tortura e racismo contra seis jovens. Testemunha ouvida nesta terça-feira disse ter conseguido fugir do episódio de violência na esquadra da PSP, a 5 de Fevereiro de 2015. “O que é que podia ter corrido mal?”, quis saber a juíza. “O que é que podia ter corrido mal? Mas correu mal”, respondeu Angelino Almeida.

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LUSA/MIGUEL A. LOPES

António Angelino Almeida já viu várias vezes a polícia na Cova da Moura, mas ouvir tiros é algo estranho para este jovem. Testemunha que no dia 5 de Fevereiro de 2015 foi à esquadra saber o que se tinha passado com a detenção do amigo Bruno Lopes. E conta por que razão se dirigiu acompanhado: “Fomos em grupo porque tínhamos medo de ir sozinhos." Especificou: “Se fosse sozinho tinha medo de lá ficar."

Esta terça-feira, a testemunha que diz ter conseguido fugir do episódio de violência policial que se seguiu, esteve a prestar depoimento durante quase duas horas ao colectivo de juízes do Tribunal de Sintra, onde 17 agentes da PSP estão a ser julgado por crimes de falsificação de auto, tortura e racismo contra seis jovens, acusados pelo Ministério Público. Nesse dia, ele já tinha ouvido os tiros na Cova da Moura que antecederam a detenção do amigo “Timor”, como é conhecido Bruno Lopes. Depois disso, ele, Flávio Almada, Celso Lopes, Paulo Veiga e Miguel Reis deslocaram-se à esquadra “velha” de Alfragide porque "era onde estava parada a carrinha" na tinha visto Bruno Lopes ser levado pela PSP. Antes de chegar à esquadra, Angelino Almeida disse ter visto dois polícias a apanharem vidros com uma vassoura, perto da carrinha.

A juíza quis saber se os jovens tinham sido rudes ou mostrado algum tipo de violência para com a PSP quando lá chegaram. “Jamais iríamos passar essas linhas sabendo que eles podiam responder agressivamente. Moro no bairro [da Cova da Moura] e sei como os agentes da esquadra de Alfragide agem”, respondeu. 

Os agentes defendem que, naquele dia de Fevereiro, um grupo de “10 a 15 jovens” tentou invadir a esquadra, razão pela qual os seis ficaram detidos. Dizem também que Bruno Lopes foi detido depois de ter atirado uma pedra à carrinha da PSP e situam os acontecimentos num local diferente do referido pelos jovens e por todas as testemunhas até agora ouvidas no julgamento que está a decorrer.

O seu depoimento ficou marcado pela insistência da advogada dos agentes da PSP para que repetisse várias vezes as mesmas respostas, elevando o tom e irritando-se. “Qual de vocês é que falou primeiro?”, insistia Isabel Gomes da Silva, querendo saber qual dos seis jovens tinha sido o interlocutor à porta da esquadra naquele dia junto do agente que lhes barrou a entrada depois de uma abordagem cordial, segundo os jovens.  

Agentes voltaram ao tribunal

Angelino Almeida argumentou que não se lembrava, por ser um episódio ocorrido há mais de três anos mas a presidente do colectivo, a juíza Ester Pacheco, interrompeu: “Veja lá bem, convinha saber porque não podem falar todos ao mesmo tempo." Ao que ele respondeu: “Não posso dizer ao calhas para servir.”

Novamente impaciente, a juíza insistiu. Quis saber por que é que depois de a polícia ter dito que eles não iam entrar na esquadra não “voltaram para o bairro”: “O que se propôs fazer, ficar lá a tarde inteira?”, ironizou. Angelino Almeida respondeu que tinham considerado que a atitude da polícia era “ilegal”: “Imagine que queríamos ir fazer queixa…”. E esclareceu: “Não insistimos [em entrar]. Logo que é barrada a entrada, o [outro] polícia foi lá dentro." A seguir apareceram uns seis agentes, descreveu. Não houve “tempo de reacção”, especificou. “O que é que podia ter corrido mal?”, quis saber a juíza. “O que é que podia ter corrido mal? Mas correu mal”, respondeu Angelino Almeida.  

Como contou, depois de lhes ser negada a entrada, um dos agentes atirou uma bala de uma shotgun, seguida de outra que acertou na perna de Celso Lopes. “O que deu o tiro disse ‘pretos do caralho, pensam que estão em vossa casa”, contou Angelino Almeida. Ele e outro amigo, Fernando Veiga, conseguiram fugir mas ainda viram os amigos a serem agredidos, “outros a caírem para o chão”.

O depoimento foi feito com a maioria dos agentes presentes nesta sessão — não têm estado naquelas em que os ofendidos estão a testemunhar por o MP ter pedido o estatuto de vítimas especialmente vulneráveis. 

Antes de Angelino Almeida foi ouvido António Pedro Oliveira, mecânico numa garagem para onde fugiram três jovens que iam a passar na Rua do Moinho durante a detenção de Bruno Lopes — Leila Correia e Neuza Correia alegaram que iam a fugir do tiro disparado pelo agente João Nunes, que acertou de raspão no rosto desta última. O mecânico, que afirmou ter ouvido as jovens a insultar a PSP, ouviu os tiros mas não percebeu quem atingiram. Sobre as jovens que procuraram abrigo na sua oficina afirmou: “Corri com elas. Não queriam sair. Houve uma que tive que agarrar à bruta. A minha fúria foi que elas andavam a chamar nomes e depois ia sobrar para mim."

Também a mãe de Rui Moniz, ouvido na semana passada, contou ao tribunal ter ido à esquadra com comida e medicamentos para o filho, depois de este lhe ter telefonado a contar que tinha sido detido. Vítima de AVC, o jovem tem de tomar diariamente uma aspirina — na sexta-feira passada contou ao tribunal que nenhum agente lhe passou a medicação.

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