Jornalismo serve para sermos “bons cidadãos”, diz Marcelo

Presidente da República esteve na primeira sessão do ciclo “Jornalistas no Palácio” ao lado de José Alberto Carvalho. O pivô da TVI diz que mudou de estação “para não mudar” ele próprio.

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José Alberto Carvalho foi o primeiro convidado da iniciativa Jornalistas em Belém Nuno Ferreira Santos

Marcelo Rebelo de Sousa entrou na sala de jantar do Palácio de Belém mal José Alberto Carvalho começava a falar sobre jornalismo perante 70 alunos de Lisboa, Porto e Mação, cumprimentou o pivô da TVI e explicou para que servia aquele encontro: “Serem bons cidadãos, façam o que fizerem na vida, percebam que [o jornalismo] é uma componente essencial numa democracia”. Porque "em democracia, é muito importante perceber o peso da comunicação social e saber lidar com a comunicação social”, disse.

Num tempo em que a maioria das pessoas recebe informação a granel e a “pedido”, devido aos algoritmos das redes sociais e sem qualquer moderação, estava dado o mote para mais esta iniciativa de juntar em Belém jovens e profissionais de diferentes áreas. Primeiro foram os escritores, depois os cientistas, agora os jornalistas e a seguir virão os artistas plásticos, anunciou o Presidente da República: “Daqui até ao fim do mandato há tempo para mais uns ciclos”.  

José Alberto Carvalho começou com um conselho e um alerta: “Não façam planos. Vocês devem estar permanentemente atentos nesta época de profunda mudança em que não há GPS para nos dizer o caminho certo para praticamente nada na vida”. O futuro, disse, não está à nossa frente, porque não sabemos o que está à nossa frente. E pôs-se a andar de costas em direcção ao ponto que antes estava à sua frente - o tal futuro: “Estamos a construí-lo ao mesmo tempo que estamos a percorrê-lo”.

Isto tem tudo a ver com o jornalismo e como o mundo da informação mudou nas últimas décadas. O jornalista que começou na RTP, foi um dos fundadores e directores da SIC, depois director de informação da TVI e hoje “felizmente” sem cargos de chefia, explicou com um par de números: hoje, mais de 80% dos portugueses paga para ter televisão em casa, mas as audiências dos telejornais caíram a pique. “A SIC chegou a ter jornais com 3,5 milhões de telespectadores e hoje é raro um telejornal ter mais de um milhão”, disse.

O que acontece, disse sempre em diálogo com a jovem plateia, “é que cada um ocupa o tempo como quer”, na televisão ou no telemóvel, mas “raramente cruzamos informações com os outros” e isto “é uma das maiores ameaças à democracia”. “Passamos o tempo a divertirmo-nos e não a informarmo-nos”, acrescentou depois em resposta a uma aluna.

“Acreditam que são vocês que escolhem as notícias que vêem nas redes sociais? O feed que vos aparece nas páginas é sempre em função daquilo que estão a ver. Hoje já não procuramos as notícias, elas é que vêm ter com as pessoas porque [os algoritmos da internet] sabem exactamente o que cada um quer”, avisou. Para concluir: “Temos de perceber a inteligência artificial para não sermos dominados por ela”.

Por outro lado, falou do desinvestimento no jornalismo e da falta de contribuição financeira dos leitores. Comparou o desafio digital da comunicação social com outras actividades, como a luta dos taxistas contra a UBER, e perguntou se não seria óptimo que houvesse consultas médicas gratuitas: “Porque é que as notícias não hão-de ser pagas? Não pode haver jornalismo livre se não houver financiamento transparente e livre, não pode haver jornalismo de qualidade sem ser pago”. O problema é que “nunca precisamos tanto de jornalismo como agora”, sublinhou.

O “aluno” Marcelo - que se sentara na última fila para “para aprender coisas sobre jornalismo, que é uma coisa que conheço relativamente mal”, como disse a brincar -, quis perguntar a José Alberto Carvalho qual o melhor e o pior momento da sua carreira. Ambos aconteceram em Timor-Leste, um tema que sempre o apaixonou, contou o jornalista, que na altura era apelidado de “Xananinha” na redacção. O melhor foi o dia da independência daquele país, “a primeira nação independente no século XXI”.

O pior aconteceu na altura do referendo sobre a autodeterminação do território, em que “milícias pró-indonésias espalharam o terror” para impedir o voto pró-independência: “Fomos alvejados, agredidos, presos” durante 16 horas. Foram libertados graças aos esforços diplomáticos de Portugal e à pressão dos timorenses que se juntaram à porta do quartel, mas à saída viram “um corpo desmembrado à catana”.

No final, um jovem perguntou-lhe porque é que tinha mudado de estação televisiva e o veterano respondeu com uma frase enigmática: “Mudei de estação para não mudar eu”. Perante os olhares admirados, acrescentou apenas mais uma explicação vaga. “Uma das razões para o divórcio é o crescimento desencontrado das pessoas. Nós crescemos, mudamos de opinião. Eu, em cada momento que mudei, fiquei feliz.”

No futuro, o jornalista que quer “trabalhar até morrer” sabe, no entanto, que ainda vai ter de tomar muitas decisões sobre a sua vida profissional. “Para poder pagar as minhas contas”.

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