Cativações influenciam cálculo do défice e dominam debate do OE

Ao definir uma meta para o défice de 0,2%, o Governo assume que 590 milhões de euros de cativações nunca serão descongelados. Esta prática, já usada em anos anteriores, foi motivo de acusações ao Governo no primeiro debate sobre o OE no Parlamento.

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LUSA/MANUEL DE ALMEIDA

O grau de discricionariedade de que os ministros das Finanças gozam na execução dos orçamentos aprovados pela Assembleia da República voltou esta terça-feira a surpreender os deputados e o tema das cativações, apesar desta palavra quase não ter sido usada, dominou o primeiro debate parlamentar sobre a proposta de Orçamento do Estado para 2019.

O alerta tinha sido feito no dia anterior na análise preliminar feita pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), que encontrou uma divergência de 590 milhões de euros entre os limites de despesa que irão ser votados no Parlamento e o valor da despesa que é usada pelo Governo para a definição da meta de défice público de 0,2%. Se esses 590 milhões de euros de diferença tivessem sido incluídos no cálculo do défice, concluiu a UTAO, o seu valor seria, não de 0,2%, mas sim de 0,5%.

Este alerta da UTAO é uma repetição de avisos semelhantes feitos relativamente a propostas orçamentais de anos anteriores. Embora desta vez, o Governo tenha decidido uma forma de apresentação diferente das tabelas, o mesmo tipo de diferenças entre a despesa aprovada e aquela que é incluída no cálculo do défice foi encontrada noutros OE. Em 2018, o valor foi exactamente igual ao de este ano: 590 milhões de euros. Em 2017, a diferença tinha sido de 517 milhões de euros. Em vários outros anos no passado, o mesmo tipo de avisos foi feito. No OE para 2015, o último da anterior legislatura, o valor em causa era de 220 milhões de euros.

No debate, os deputados do PSD e do CDS acusaram o Governo de apresentar um orçamento de “enganos” e de mostrar um “desrespeito completo pela Assembleia e pelos portugueses, que roça a aldrabice política”. Do lado do Bloco de Esquerda foram pedidas explicações para as diferenças apresentadas pela UTAO.

Do ministro, ouviram-se diversas acusações aos deputados de “desconhecimento da forma como é feita a gestão financeira do Estado” e críticas à fiabilidade das previsões da UTAO, mas as explicações foram sendo dadas a conta-gotas, nunca tendo sido referido por Mário Centeno o papel que as cativações aqui desempenham.

E é, de facto, nas cativações (verbas orçamentadas que só podem ser usadas com a autorização do ministro das Finanças) e noutras reservas orçamentais que está a explicação para haver um valor diferente para a despesa aprovada pelo parlamento e para a despesa que é usada no cálculo do défice. Os valores de parte das cativações (este ano de 590 milhões de euros, tal como no ano passado), embora surjam incluídos na despesa nos mapas orçamentais que serão levados a votação no Parlamento, são retirados no relatório quando se apresentam os valores em contabilidade nacional e se calcula o défice de 0,2%.

Isto é, o Governo assume logo à partida que não irá descongelar uma parte substancial das cativações que estão previstas na proposta de OE entregue no Parlamento. Uma das consequências é que, no caso de os 590 milhões de euros virem a ser descongelados (totalmente ou em parte), assitir-se-ia, num cenário em que tudo o resto se mantivesse igual, a um agravamento do défice.

Perante a insistência da deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, para obter esclarecimentos sobre esta matéria, o ministro das Finanças classificou a diferença entre os mapas e a despesa usada no défice como “um primeiro ajustamento que é feito para adequar um tecto de despesa que é inscrito no orçamento à estimativa do cálculo do défice”. “Esta noção de estimativa é uma noção que gostávamos de adoptar”, disse o ministro, assinalando que “a execução orçamental não é um algoritmo”.

Na prática, o que aqui está em causa é o grau de discricionaridade que é dado aos ministros para fazerem as suas opções de despesa, desde que cumpram os limites máximos aprovados no orçamento. Este foi um tema central no debate político quando o Executivo atingiu em 2017 um novo máximo histórico de cativações e voltou esta segunda-feira a dominar as atenções quando se percebeu que, logo na definição da meta do défice, esse grau de discricionariedade é usado.

Perante as respostas do ministro, Mariana Mortágua defendeu que “sobreorçamentar a despesa ou suborçamentar a receita não são boas políticas”. “Há despesas que são necessárias e que não estão a ser executadas. Não porque não tenham sido aprovadas pelo Parlamento, mas porque houve uma opção política nesse sentido”, lamentou.

No orçamento para 2018, os partidos à esquerda do Governo, com o apoio dos partidos à direita, conseguiram pressionar o Executivo para introduzir medidas que limitassem a possibilidade de realizar cativações. No debate na especialidade, foram introduzidas novos tipos de despesa isentos de cativações e forma estabelecidos limites máximos globais, baseados numa percentagem do montante que tinha sido alvo de cativação em 2017. O Executivo ficou ainda obrigado a, de três em três meses, apresentar dados sobre a forma como se está a proceder à descativação de verbas.

Este ano, aquilo que está previsto no OE 2019 em termos de cativações é idêntico ao que acabou por ficar previsto no OE 2018.

Questionado sobre qual o volume total de cativações iniciais presentes na proposta, o ministro das Finanças disse que esse número ainda não estava disponível, mas prometeu divulgá-lo ainda durante o período de discussão do documento no Parlamento.

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