Gimba canta Vá lá!! a Portugal e diz que “a edição independente é que é”

Há quatro décadas ligado à música, o cantor, compositor e produtor Gimba volta aos discos a solo com Ponto G, que traz uma canção-manifesto para acordar Portugal: Vá lá!!

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Gimba RITA CARMO

Dos Afonsinhos do Condado aos Irmãos Catita, do seu trabalho a solo até às suas muitas participações na televisão, não há quem não conheça Eugénio Lopes, popularizado como Gimba. Cantor, compositor, com um único disco em nome próprio lançado há já duas décadas (Funky, Punky, Trunky, 1997), voltou aos estúdios para gravar mais um disco a solo, em nome próprio, Ponto G. Sem dispensar a ironia mas levando-a mais a sério, centra as suas canções no quotidiano de Lisboa, a sua cidade, em títulos como Chiado, São Bento, Rumo ao Sul, Ruiveloseando, As praias de Lisboa ou Vá lá!!. Esta última, uma espécie de embolada lusitana com ares de manifesto para acordar Portugal, conta com um exército de vozes convidadas: Ana Bacalhau, António Zambujo, Camané, José Cid, JP Simões, Manuel João Vieira, Márcia, Mário Mata, Marisa Liz, Rita Redshoes, Samuel Úria e Tim.

Um nome vindo do Brasil

Nascido Eugénio Cardoso de Carvalho Lopes, em Lisboa, em 28 de Setembro de 1959, de onde lhe veio o nome Gimba? Ele explica: “Vem de uma peça de teatro escrita no Brasil, quando estava na fervilhança político-cultural-social-desportiva do fim dos anos 50. O Brasil estava em alta porque foi campeão do mundo, porque surgiu a bossa-nova e autores como o Guimarães Rosa (do Grande Sertão Veredas) e o Jorge Amado. E este nome vem de um autor cujo nome que não é nada brasileiro, Gianfrancesco Guarnieri [nasceu em Milão, em 1934, mas foi para o Brasil com os pais, antifascistas, logo em 1936], que escreveu uma peça chamada Gimba, Presidente dos Valentes, que esteve em Lisboa em 1959 pela Companhia de Rute Escobar, e os meus pais devem ter achado semelhança entre o bebé e o chefe dos malandros da favela e começam a chamar-me Gimba.” E ficou. “Toda a gente me conhece assim, até os professores da escola me chamavam Gimba.” [a peça de Guarnieri foi também levada ao cinema, no Brasil, por Flávio Rangel, em 1963]

Sem nunca ter deixado de fazer música, onde quer que fosse, e tendo sempre a cidade de Lisboa a servir-lhe de mote (como se vê no vídeo 38º Norte 9.º Oeste, posto no YouTube em 2011 e assinado Gimba & Os Bandidos), volta a editar um disco a solo: “Apesar de a indústria estar completamente transformada, o modelo do disco ainda é o que faz andar a carruagem, para os artistas. Neste caso é uma edição independente, mas pessoas ligadas a editoras fazem a mesma coisa. É tudo muito moderno mas as coisas ainda funcionam com a bolachinha na mão.” Como prova, diz que no penúltimo trimestre de 2018 foram editados 60 discos de música portuguesa de todas as tendências. “Nomes grandes, nomes pequenos, até os radicais do rock não-sei-quê.”

Conselhos e dedicatórias

Mas não é só por isso. “Trata-se também de uma afirmação pessoal. As pessoas não sabem a música que eu faço. O grande público vê um gajo a tocar na televisão aos sábados, e eu, depois de várias aventuras e desventuras sempre com música, comecei a tentar pôr um bocadinho de ordem na casa e a pensar que também tenho o meu espaço.” As canções do disco, onze, nasceram em diferentes períodos. “A mais antiga tem uns dez anos e a mais nova é mesmo recente.” Marcado pelo som da guitarra acústica (ele diz-se “trovadeiro”), o disco tem vários piscares de olho e referências detectáveis pelos ouvintes da sua geração. Sem ter nada que ver, a “velha lambreta encarnada” de Rumo ao sul parece um contraponto (ainda que involuntário) da “125 azul” dos Trovante; o arranque de Vá lá!!, com “trago um bom conselho” (nem era para ser esta a frase, diz Gimba) lembra o início do Bom conselho de Chico Buarque; e o início de Ruiveloseando parafraseia, aqui, sim, intencionalmente, Aquele abraço, de Gilberto Gil (1969): onde Gil dizia “Este samba é pra Dorival Caymmi, João Gilberto e Caetano Veloso”, Gimba diz “Esta é pra Jorge Palma, Mário Mata e o resto da malta”.

“Esta canção também acende outra luz, Ruiveloseando lembra Caetaneando e Caetano também é Veloso, como o Rui. Já desde os meus tempos de adolescente que reparo que no Brasil eles fazem sempre referência a outros músicos nas canções. E nós temos pouco esse hábito. Esta música partiu dessa base: fui muito amigo do Zé Pedro [dos Xutos, que morreu precocemente em 2017], andei com o Paulo Gonzo na escola, de maneira que isto junta todas essas referências.” A dedicatória inicial justifica-a assim: “Tenho muitas reservas face à maneira como a maior parte mete os textos na música, a nível de fluidez da palavra. E o Jorge Palma é um óptimo exemplo da maneira como eu gosto que ele soe. E o Mário Mata ocupa o mesmo espaço do Palma, até pelas escolas que teve, Dylan, Cohen, etc. Seguiram caminhos diferentes, mas são ambos muito naturais. Agora já há outros assim, o Tiago Bettencourt, ou o Samuel Úria, que é super-fluído.”

As notícias como “eventos”

No disco, vários temas abrem com sons naturais, ruídos, ambiências. Chiado regista uns 10 segundos da azáfama lisboeta gravados à porta da Brasileira, em pleno Chiado; São Bento tem chilrear de pássaros, o repicar de um sino de igreja, o som da gaita de um amolador; e Não é mania não abre com um indicativo de telejornal. “Um dia, era miúdo, li uma coisa da Amália onde ela dizia: ‘Não vejo notícias.’ Eu já fui um ‘junkie’ de notícias, mas hoje irritam, as notícias não são bem notícias, são ‘eventos’; não se sabe o que aconteceu ao colarinho branco, nem ao avião que caiu, o que interessa é o ‘tcha-ram’ do ‘evento’! As notícias roubam-nos um espaço de serenidade que é vital nos tempos que correm.”

Pronto há já um ano, em edição independente, o disco passou por algumas peripécias até chegar finalmente às lojas. E o primeiro impacto foi positivo, a avaliar pela quantidade de discos vendidos logo na primeira sessão de lançamento, na Fnac Chiado. “O futuro passa muito por aqui, por os artistas conseguirem financiamento (através de crowdfunding, por exemplo) e fazerem os seus discos. Fica a mensagem: a edição independente é que é.”

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