Governo responde a avisos de Bruxelas com sucesso dos anos anteriores

Portugal defende que OE para 2019 é continuação de política bem sucedida dos últimos ano. Em simultâneo, a Itália não cede a Bruxelas e abre a porta a conflito institucional inédito na zona euro.

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Enric Vives-Rubio

Foi lembrando os resultados acima do previsto obtidos nos últimos três anos e assinalando a resposta positiva dos mercados e das agências de rating à política orçamental aplicada no país que o Governo respondeu esta segunda-feira a Bruxelas e aos seus avisos de que Portugal se arrisca, no OE 2019, a não cumprir as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

Numa carta assinada pelo líder da Missão da Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia, Nuno Brito, o executivo reafirma as metas definidas no Orçamento do Estado para o próximo ano, defendendo que estas representam a “continuação do processo de consolidação estrutural do orçamento que tem vindo a ser implementado desde 2016”.

Na sexta-feira, a Comissão Europeia tinha manifestado dúvidas sobre a evolução de dois indicadores que são usados para medir o esforço de consolidação orçamental que é feito pelos governos da zona euro. O primeiro é o da redução do défice estrutural, que a Comissão diz calcular em 0,2 pontos percentuais (contra os 0,3 pontos calculados pelo Governo), um valor que fica, segundo Bruxelas, “bastante abaixo do valor dos 0,6% do PIB exigido pelo Conselho na sua recomendação de 13 de Julho de 2018”. O segundo indicador é a taxa de crescimento nominal da despesa primária líquida (a despesa exceptuando os juros e outros rubricas, como o investimento), que a Comissão defende ser de 3,4%, bem acima dos 0,7% recomendados a Portugal.

Às dúvidas relativas ao défice estrutural, o Governo responde reafirmando o seu cálculo de uma redução de 0,3 pontos percentuais e assinala o facto de nos anos anteriores os resultados obtidos terem sido bem melhores do que aquilo que era antecipado pela Comissão Europeia. “O esforço orçamental para 2019 ao nível do saldo estrutural segue-se a um esforço acumulado de 1,7 pontos percentuais entre 2016 e 2018”, diz a carta enviada pelo Governo, que assinala ainda as “actualizações recorrentes” feitas a este indicador. O executivo diz que a revisão acumulada nos últimos três anos ascendeu a 2,2 pontos percentuais.

No que diz respeito à taxa de crescimento nominal da despesa primária líquida, o Governo diz que a estimativa do valor considerado necessário pela Comissão depende não só das actualizações feitas ao défice estrutural, como também a particularidades do ano base.

Numa altura em que, aos alertas de Bruxelas, não correspondem sinais de preocupação semelhantes vindos dos mercados, o Governo faz questão de destacar na carta enviada à Comissão que a política orçamental seguida em Portugal “foi considerada como bem sucedida por instituições, participantes do mercado e agências de rating”.

A Comissão Europeia terá agora a tarefa de decidir de que forma é que avalia o risco de incumprimento das regras europeias presente no orçamento português, sendo que um cenário de chumbo da proposta portuguesa parece estar, neste momento, completamente colocado de lado.

Itália reafirma proposta

O mesmo não se pode dizer do orçamento italiano. Com a Comissão Europeia sob pressão para mostrar a sua autoridade na frente orçamental e o clima de incerteza a dominar nos mercados, o governo italiano optou por não dar, na sua primeira resposta oficial às críticas de Bruxelas ao seu orçamento, qualquer sinal de cedência. E um confronto entre as autoridades europeias e uma das principais potências da zona euro parece agora cada vez mais inevitável.

Na sexta-feira, a Comissão Europeia tinha enviado a Roma uma carta em que alertava o executivo liderado por Giuseppe Conte para a existência de um “desvio significativo e sem precedentes na história do Pacto de Estabilidade e Crescimento”, pedindo que fossem dadas, até esta segunda-feira, explicações sobre os números do orçamento italiano e sinais de que seria possível esperar uma alteração das metas.

A resposta vinda de Itália não trouxe, no entanto, qualquer sinal desse tipo. Numa carta assinada pelo ministro das Finanças, o Governo italiano reconhece “ter escolhido uma configuração da política orçamental não em linha com as regras”. Defende, porém, que, embora “difícil”, essa foi uma decisão “necessária, à luz do persistente atraso na recuperação do PIB para o seu nível pré-crise e das dramáticas condições económicas em que se encontram os estratos menos beneficiados da sociedade italiana”.

Não são dados na missiva sinais de recuo em relação aos números que mais preocupam Bruxelas, nomeadamente o facto de o défice subir para 2,4% e o défice estrutural se agravar, em vez de diminuir os 0,6 pontos percentuais que são exigidos pelas regras.

Giovanni Tria, o ministro italiano da Economia e Finanças, explica, contudo, que, se em 2019 se espera de facto um agravamento do défice estrutural, para os anos seguinte o governo de Roma conta travar a subida desse indicador, prometendo uma trajectória descendente a partir de 2022. É ainda dada a garantia adicional de que, caso a economia italiana regresse mais rapidamente aos níveis pré-crise, a descida do défice estrutural face ao objectivo de médio prazo pode ser também antecipada. A carta termina com uma frase que tenta tranquilizar os mais preocupados: “A Itália pertence à Europa e à zona euro”.

A bola passa agora novamente para Bruxelas. A Comissão Europeia terá de decidir se, perante o incumprimento claro das regras orçamentais, irá dar o passo inédito de recomendar ao conselho um “chumbo” da proposta orçamental italiana, o que teria como consequência o pedido a Roma que envie, no prazo de três semanas, um orçamento revisto.

As pressões políticas para o fazer têm vindo a intensificar-se. Esta segunda-feira, o primeiro ministro da Áustria apelou a uma acção decidida por parte da Comissão, defendendo que se a Itália não cumprir as regras está a pôr todos os outros  países da UE em perigo.

Nos mercados, as taxas de juro da dívida italiana têm estado, nas últimas semanas, sob forte pressão. Na manhã desta segunda-feira, no entanto, a reacção dos mercados até foi positiva, respondendo ao facto de a Moody’s, apesar de ter cortado o rating italiano de Baa2 para Baa3 (o mesmo nível de Portugal), não ter optado por colocar a Itália directamente num nível “lixo”, dando pelo contrário uma perspectiva “estável” ao rating. À tarde, as taxas de juro voltaram a subir.

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