A dança artística que é Lisboa, Cidade Triste e Alegre

Fotografias inéditas, mas também cartazes e até maquetas, integram a exposição que se debruça sobre o livro feito na década de 50 pelos arquitectos Victor Palla e Costa Martins. Conversámos com a comissária Rita Palla Aragão, que é, também, arquitecta e neta de um dos autores da obra.

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Victor Palla e Costa Martins
"Lisboa, Cidade Triste e Alegre" fotografado por Victor Palla e Costa Martins, com marcação para o enquadramento final pretendido (ca. 1958)
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"Lisboa, Cidade Triste e Alegre" fotografado por Victor Palla e Costa Martins, com marcação para o enquadramento final pretendido (ca. 1958) D.R.
Retrato da dupla Victor Palla e Costa Martins (ca. 1958)
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Retrato da dupla Victor Palla e Costa Martins (ca. 1958) D.R.

É considerado o mais importante livro da história da fotografia do século XX, em Portugal. Chegou até a alcançar o estatuto livro de culto e até de mito. Esteve presente em leilões de renome e foi arrebatado por uma módica quantia que alcança os cinco algarismos. Lisboa, Cidade Triste e Alegre, espelha a capital de Portugal dos anos 50 (e os seus habitantes), aos olhos dos autores Victor Palla (1922-2006) e Costa Martins (1922-1996).

Durante três anos, a dupla de arquitectos percorreu as ruas da capital, retratando-a e aos seus habitantes, a preto-e-branco, revelando uma cidade escondida, triste e alegre. Das seis mil fotografias realizadas, os autores escolheram cerca de 200 para integrar o livro, às quais acrescentaram poemas, um índice longo e singular e uma série de poemas que convertem a obra num verdadeiro poema gráfico.

Hoje, os bastidores do livro e muito mais poderão ser contemplados na exposição Lisboa, Cidade Triste e Alegre: Arquitetura de um Livro, até 2 de Dezembro no Museu de Lisboa. A comissária Rita Palla Aragão revela o que esta tem de imperdível e o que tem de excepcional. Uma coisa garantiu: o facto de surgir numa altura em que Lisboa está no centro do mundo, é apenas a mais pura e feliz das coincidências.

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Retrato da dupla Victor Palla e Costa Martins (ca. 1958) D.R.

Que tipo de Lisboa encontramos na exposição?

Esta é uma Lisboa que nasce sob o olhar dos autores. E é um olhar especifico… É o olhar de dois homens sob a cidade onde nasceram, onde vivem e onde trabalham. Uma Lisboa reconhecível por quem viveu nesta época. No livro vamos poder encontrar os lisboetas de então.

Uma Lisboa anos-luz diferente daquela que conhecemos hoje, naturalmente…

Muito diferente, naturalmente…

Qual considera ser o factor que mais contribuiu para o sucesso deste livro que permanece ao longo de mais de cinco décadas?

[O livro] Passou por várias fases. Umas de total esquecimento e outras de grande reconhecimento. Tem sido por ciclos. Mas o factor que considero mais ter contribuído foi, acima de tudo, a qualidade deste trabalho. Estamos perante um objecto artístico, uma verdadeira obra de arte…

O que o torna tão especial?

A junção de formas de arte tão singulares como a fotografia, a poesia e o desenho pode ser considerada a combinação perfeita? Acredito que é essa combinação que o torna tão especial…

O que é que pode ser visto nos bastidores da exposição?

O modo como o livro foi construído. Entender-se que técnicas foram utilizadas, quer a nível fotográfico, quer gráfico… Espreitar os pensamentos e as reflexões dos autores sob as próprias fotografias.

Que pormenor da exposição não deverá ignorado?

De todo o conjunto, talvez os enquadramentos. O facto de as imagens serem mostradas integralmente, numa altura em que fazer “cropping” nas fotografias era mal visto. Eles [os autores] faziam “cropping” em tudo. Deliberadamente… Acrescente-se que o livro tem um índice que não é nada comum, onde os autores explicam, da primeira à última página, todas as fotografias, as técnicas de reprodução utilizadas, os seus pensamentos sobre a arte em geral…

E o que é que tem esta exposição de excepcional?

O simples conceito de se fazer uma exposição sobre um livro é de tal forma raro, que essa é a característica que melhor distingue esta exposição. Foi, de facto, uma ideia excepcional no sentido literal da palavra.

Qual o momento alto do livro ao longo destas dezenas de décadas de existência?

Já teve vários. Actualmente, contamos com a edição que chega ao grande público através do [Jornal] Público e, ao mesmo tempo, com a edição fac-símile da Pierre von Kleist. A exposição no Museu de Lisboa completa este conjunto. Este é com certeza um dos momentos mais altos para o livro até agora.

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Fotografia p. 40 e 41 do "Lisboa, Cidade Triste e Alegre" e respectivo desenho (maquete para proposta de publicação em revista)(ca. 1958) D.R.

Um exemplar da obra foi vendido por 9600 libras (cerca de 14000€ à época), num leilão da Christies, em 2007. Considerando este feito, a exposição continua a ser o momento mais marcante?

A exposição é o reflexo de cada passo da obra deixada. É o lado emocional da obra, que é sem dúvida mais importante do que um momento de especulação financeira sobre um exemplar.

Poderiam os autores sonhar que Lisboa, Cidade Triste e Alegre viria a tornar-se numa referência mundial do fotolivro?

Não o terão feito a pensar nisso, não era o seu tipo de ambição. Eles apenas queriam mostrar uma cidade da qual ambos gostavam muito, fazendo um trabalho do qual ambos também gostavam muito. Movidos pelo entusiasmo, nunca pelo sucesso.

O que é que as pessoas vão poder encontrar de diferente e de único nesta exposição?

Vão poder encontrar um novo olhar sobre um dos fotolivros mais importantes da nossa história e, em simultâneo, reencontrar uma Lisboa que se foi transformando ao longo das últimas décadas.