Já ninguém quer ser astronauta

Hoje já ninguém quer ser astronauta. Vivemos na monotonia do "aceitar o que nos dão sem questionar".

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Bruno Cervera/Unsplash

A 21 de Julho de 1969 o mundo não parou porque o ser humano foi à Lua. Foi com ele. Acredite-se ou não, fomos com ele. De braço dado, passo a passo e embebidos em sonhos movidos a propulsão a jacto e a cegueira de quem quer mais. Seja num estúdio da vida ou na dúvida pertinente de um crer que se diz distante, o certo é que fomos à Lua. A partir daí todos queríamos ser astronautas. Todos passámos a desejar mais do que víamos e a sentir que o caminho era mais além. Sempre. Não nascemos virados para a Lua, mas virávamo-nos para lá sempre que precisávamos de uma resposta semi-concreta a uma equação que a vida nos colocava. Com fracções que não subtraíamos, só somávamos, na esperança de que o resultado fosse sempre mais. Maior. Melhor.

Durante anos todos almejámos flutuar de capacete branco e olhar ao longe para tudo o que nos perturbava. Fosse em tardes de joelhos esfolados de diversão, ou em serões passados à volta de um caderno de exercícios que só fazíamos por ser o caminho natural para nos tornarmos astronautas e podermos lavar os dentes de pernas para o ar. A fugacidade de um futuro que parecia distante, levou-nos a reajustar, nunca a desistir.

Não conhecíamos a NASA. Inventávamos a nossa sigla, o nosso foguetão e lá íamos nós disparados aos sonhos que nunca estagnavam. Eram correntes, não havia margem para dúvida de nenhum rio de incerteza. Não andávamos de cabeça no ar, mas não tínhamos os pés no chão. Desbravávamos a Ursa Maior e seguíamos pé ante pé a Estrela Polar do nosso talento. O que chegava era sempre pouco para quem ainda não tinha acabado de contar as estrelas. Cem agora, trezentas amanhã, o futuro era um lugar estranho, mas que nunca assustava quem tinha um planeta inteiro entalado entre um indicador esticado e quatro dedos firmemente recolhidos para o deixarem brilhar. O futuro nunca foi manhã de nevoeiro e nunca esperávamos por quem não vinha. Caminhávamos em frente.

Hoje não. Hoje já ninguém quer ser astronauta. Vivemos na monotonia do "aceitar o que nos dão sem questionar". Na incerteza do que desejamos e a certeza de que já não queremos ir ao espaço, muito menos conquistar a Terra. Navegamos num mundo de uma aceitação social premente, que funciona quase como uma injecção de motivação para uma vida que nunca pensámos viver. Voamos de objectivo em objectivo, até nos apercebermos que estamos em passo de marcha numa corrida sem meta, só com garrafas de água misturadas com bebidas energéticas, que nos são dadas de quilómetro em quilómetro para nos aguentarmos sem vacilar.

A ambição colide a alta velocidade com o comboio da inércia, da aceitação e do marasmo intelectual. Contentamo-nos com o que os outros querem que sejamos, com o que fica bem sermos e com aquele arnês de segurança que nos dá uma falsa sensação de euforia e liberdade, quando, na verdade, estamos agarrados ao mesmo local de sempre. Hoje sonha-se pequeno, já não há uma contagem decrescente para descolarmos e partimos de nós, com a bandeira do desafio acoplada à vontade de conhecer. De nos conhecermos. Pintamos uma jangada com clichés e esperamos que a maré nos leve a bom porto, sem remarmos para o desconhecido.

Virámos para o T com fundo azul que nos indica beco sem saída. Vagueamos por sites de empregos similares aos de engates, em que ficamos exacerbados pelo desespero de não saber o que fazer e em que o facilitismo é a feromona certa que nos faz virar para direita e aceitar o que vier. O que nos quiser. Traçamos, no nosso mapa interior, o caminho mais fácil, que não requer passagens secretas ou portas blindadas.

Já ninguém quer ser astronauta. O fascínio pelo desconhecido findou-se quando passámos a aceitar sem questionar, a ir para onde todos vão e a sujeitarmo-nos ao que todos já premeditaram que devemos ser. Deixámos fugir o foguetão da vida e já tomamos a Lua como garantida.

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