Jovem vítima de AVC acusa polícias de o agredirem física e verbalmente

Rui Moniz, ofendido da Cova da Moura no caso da Esquadra de Alfragide, contou nesta sexta-feira ao tribunal como tem medo de estar na rua desde o dia 5 de Fevereiro de 2015. Com uma tala no braço devido a um AVC, diz que já depois do episódio agentes "passaram dentro da carrinha e chamaram nomes".

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Julgamento dos 17 agentes está a decorrer no Tribunal de Sintra desde Maio LUSA/MIGUEL A. LOPES

Rui Moniz, 26 anos, tem uma tala no braço e um elástico a prendê-la. Quem o vê a caminhar consegue perceber facilmente as suas dificuldades de locomoção. Isto mesmo notou nesta sexta-feira a presidente do colectivo de juízes do Tribunal de Sintra, que está a julgar os 17 agentes da Esquadra de Intervenção e Investigação Policial de Alfragide, acusados de crimes de falsificação de auto, tortura e racismo contra seis jovens da Cova da Moura, entre eles Rui Moniz.

No dia 5 de Fevereiro de 2015, ao sair de uma loja de telecomunicações mesmo ao lado da esquadra, onde teria ido tratar de um assunto para a mãe, agentes da PSP abordaram-no, conscientes da sua deficiência porque lhe disseram: “Este aqui é amputado." Foi o que contou nesta sexta-feira Rui Moniz, em tribunal.

Segundo a sua versão do que aconteceu nesse dia, vinha com um telemóvel na mão. E os agentes perguntaram-lhe de forma intimidatória: “Tu é que andavas a filmar?” 

A caminho, Rui Moniz já tinha visto o outro ofendido Miguel Reis deitado no chão em frente à esquadra e agentes à sua volta. Mas continuou o percurso. Não viu os episódios que se terão passado no mesmo local já descritos anteriormente em tribunal por outros ofendidos como Flávio Almada ou Celso Lopes

Depois da abordagem, contou o jovem que está reformado por invalidez, os agentes deram-lhe uma cacetada na mão, um soco nos olhos. Mandaram-no atirar-se para o chão. Dois agentes arrastaram-no para dentro da esquadra. “Comecei a apanhar pontapés, chapadas, socos”, continuou.

Quando lhe pediram a identificação, tentou tirar do bolso o cartão de cidadão, mas ficou com medo. Acusa um agente de ter tirado a sua identificação: “Ainda por cima és português”, disse-lhe o polícia. Ao que um outro mais velho, vestido à civil, de óculos, a fumar um cigarro eléctrico, afirmou: “És pretoguês." Este mesmo puxou-lhe também o cabelo, nomeadamente uma das tranças, acusa.

Na esquadra, começou de novo “a apanhar”. Contou que o deixaram deitado com a cara para baixo, assim como o fizeram aos outros jovens que ali estavam detidos, batendo-lhe. Ao que ele, “aflito do peito”, tentou explicar que “não podia ficar pressionado para o chão”. Um agente deu-lhe um pontapé na cabeça. “Perguntaram o que aconteceu no braço, eu tinha esta tala”, apontou. “Disse que tinha tido um AVC. O [mesmo agente mais velho, de óculos], disse: ‘e não morreste?’ Desta vez vais levar um que vais morrer." Depois tentaram algemá-lo no braço com a tala, mas não conseguiram. Acabaram por algemá-lo ao banco, contou ainda em tribunal.

O ofendido e assistente disse ainda que a sua mãe, nesse dia, foi à esquadra entregar a aspirina que ele precisa de tomar diariamente por causa da sua condição de saúde, mas que nenhum agente lhe entregou a medicação.

A dada altura Rui Moniz quis interromper uma pergunta por se ter esquecido de referir que quando se levantou do chão pediu ajuda a “uma pessoa sem farda”. Uma mulher que lhe terá respondido “não é nada comigo, é com os meus colegas”. “Foi buscar a esfregona e limpou o sangue." Na sala de audiências identificou dois agentes como autores de agressões que já foram ouvidos pelo tribunal, Hugo Gaspar e Joel Machado, suspenso por outro processo.

Nunca mais foi ao curso de jardinagem

Rui Moniz descreveu também o momento em que os agentes abordaram Bruno Lopes na Cova da Moura, levando-o mais tarde para a esquadra, acusando-o de ter atirado pedras à carrinha da PSP. Ao contrário do que afirmam os polícias envolvidos na detenção, que situam o local dos acontecimentos perto da Avenida da República e numa rua diferente da referida por todas as testemunhas ouvidas até agora,  também Rui Moniz diz ter visto a PSP a fazer a detenção na Rua do Moinho. Na altura estava acompanhado do primo e protegeram-se em casa deste. “Ouvimos tiros e não saímos”, contou.

Hoje, passados mais de três anos, Rui Moniz sente-se “revoltado”. Na altura estava a estudar jardinagem havia seis meses mas não regressou ao curso porque “tinha medo de passar pela esquadra”, algo que seria obrigatório segundo o seu percurso habitual.

Desde então tem “medo de estar na rua”. Até porque, já depois deste episódio, acusa: “Os agentes passaram dentro da carrinha e chamaram nomes: ‘filho da puta’. Mas eu ignorei. Baixei a cabeça e continuei a andar.”

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