Travão às reformas antecipadas em risco de cair no Parlamento

Carlos César volta a divergir de Vieira da Silva e admite clarificar no Parlamento a norma-travão das reformas antecipadas defendida pelo ministro. Partidos dizem que medida não foi negociada. CGTP e UGT discordam da medida e lamentam que não tenha ido primeiro à Concertação Social.

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Carlos César: “o grupo parlamentar do PS [admite] clarificar esse entendimento" de forma a "melhorar o regime actual que é isso que presidia à intenção inicial do Governo" Nuno Ferreira Santos

Há uma fractura entre o PS, PCP e BE, por um lado, e o Governo, por outro, sobre as reformas antecipadas. Uma das partes terá de recuar. O apertar dos critérios de acesso à reforma antes da idade legal, tal como é intenção do ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva, pode cair no Parlamento pelas mãos dos socialistas, com a ajuda de PCP, BE e PEV.

Nenhum dos partidos que suporta o Governo - incluindo o PS - diz ter tido conhecimento da intenção de reduzir o universo de trabalhadores que podem pedir acesso à reforma a reboque das mexidas negociadas para acabar com a penalização o factor de sustentabilidade, e pediram uma clarificação ao Executivo, por não ser isso que lêem da proposta de Orçamento do Estado para 2019 (OE 2019). Perante a surpresa dos parceiros e do próprio partido, o presidente do grupo parlamentar do PS, Carlos César, veio garantir que, primeiro, quer saber se o Governo "partilha dessas dúvidas", mas quer partilhe "ou não, o grupo parlamentar do PS [admite] clarificar esse entendimento" de forma a "melhorar o regime actual que é isso que presidia à intenção inicial do Governo".

O assunto foi tema na reunião da bancada parlamentar do partido, ontem de manhã na Assembleia da República, com vários deputados a questionarem o posicionamento do grupo parlamentar e Carlos César, em frente aos seus deputados, foi assertivo a afirmar que o partido não deixará passar uma norma que penaliza quem já tem direitos “adquiridos”. Os deputados socialistas não tinham sido informados do alcance da medida inscrita no Orçamento e César decidiu agir. Aos jornalistas, à saída da reunião, foi mais complexo nas palavras, contudo, disse preto no branco que “a questão que subsiste é que essa norma não deve fazer regredir nenhum outro direito que estava adquirido”.

Em causa está o facto de o regime actual permitir que os trabalhadores possam reformar-se antecipadamente com pelo menos 60 anos de idade e 40 de descontos, desde que estejam dispostas a receber uma pensão com cortes que podem ser significativos (14,5% do factor de sustentabilidade e 0,5% por cada mês que falte para a idade legal). Como não há a exigência de acumular os dois critérios em simultâneo, o regime de antecipação está aberto a quem, por exemplo, tem 61 anos e 40 de descontos. Com o novo regime que o ministro anunciou, uma pessoa nesta situação não poderá pedir a reforma antes do tempo, mesmo que com penalizações, como revelado pelo ministro Vieira da Silva na quarta-feira, uma vez que não cumpre o critério de aos 60 anos de idade ter os 40 de descontos.

Partidos exigem clarificação

Na prática, se ficar como quer o ministro, o Governo tem porta aberta para depois do OE aprovar em decreto-lei um novo regime de flexibilização da idade de acesso à pensão de velhice, dando com uma mão, ao retirar as penalizações, mas tirando com a outra, uma vez que a benesse se aplica a menos gente.

É esta situação que os partidos de esquerda não querem que avance. A deputada do PCP, Diana Ferreira diz que o PCP "lutará" para que a norma não avance, uma vez que o partido defende que os trabalhadores "devem ter direito à reforma sem penalização, independentemente da idade" que tenham. O deputado do BE, José Soeiro, insistiu que "o que está no Orçamento está certíssimo", mas que "não faz sentido" o que defendeu o ministro. 

À direita, houve reacções diferentes. Fernando Negrão, líder da bancada do PSD, quer uma "clarificação" do Governo para depois se pronunciar. Já Assunção Cristas, líder do CDS, defendeu que o executivo criou "o logro dos 60 anos" e diz que vai trabalhar na especialidade para que "cumpra o que acordou com os parceiros sociais".

Proposta cria injustiças relativas

Na quarta-feira, o ministro do Trabalho foi claro ao dizer que “a condição de acesso ao novo regime de reformas antecipadas será a concretização conjunta de 60 anos [de idade] com 40 de carreira contributiva”.

Vieira da Silva disse que as alterações serão discutidas na Concertação Social e a julgar pela posição das duas centrais sindicais, o ministro terá dificuldades em encontrar aliados para a sua proposta que, na prática, restringe o acesso à reforma antecipada aos trabalhadores que começaram a sua carreira contributiva antes dos 20 anos.

Desde logo, a UGT e a CGTP lamentam que o Governo tenha apresentado a proposta antes de a discutir com os parceiros sociais.

Sérgio Monte, dirigente da UGT, critica a intenção de limitar a reforma antecipada a quem aos 60 anos tem 40 de descontos. “Estas condições vêm criar injustiças relativas”, alerta, lembrando que deixa de fora trabalhadores com 61 anos e 40 de descontos ou com 64 anos e 42 de carreira contributiva que não poderão antecipar a reforma por não cumprirem o requisito de entrada.

“Defendemos que não se deve abandonar totalmente o regime em vigor”, afirmou em declarações ao PÚBLICO, acrescentando que a UGT continua a defender que não deve haver penalização para quem tem mais de 60 anos de idade e 40 de descontos. “Mas já discutimos isso [em 2017] e o Governo diz que é incomportável”, reconhece.

O dirigente adianta que a UGT irá retomar algumas propostas que já tinha feito em 2017 quando discutiu com o Governo o regime das longas carreiras contributivas. Uma dessas propostas é a criação de benefícios em função da densidade contributiva dos trabalhadores, distinguindo os que têm mais meses de descontos. Outra passa por “resolver a situação dos trabalhadores que não podem antecipar a reforma e não conseguem manter o subsídio de desemprego até à idade legal”.

A proposta, critica também o líder da CGTP, Arménio Carlos “é uma injustiça que tem de ser corrigida”, porque “deixa de fora todos os outros trabalhadores”. A CGTP defende que todos os trabalhadores com pelo menos 40 anos de descontos, independentemente da idade, devem poder aceder à reforma antecipa sem penalização.

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