Ministério da Educação exclui Academia de Música de Lagos dos apoios ao ensino especializado

Câmara de Lagos pretende constituir-se “assistente” no inquérito que está a ser investigado pelo Ministério Público, desde há dois anos, relacionado com a criação de uma lista de 344 falsos alunos e eventuais crimes na utilização de dinheiro público

Foto
Adriano Miranda

A Academia de Música de Lagos (AML) foi rejeitada na candidatura aos “contratos patrocínio” concedidos pelo Governo ao ensino especializado. O prazo da segunda fase do concurso, para completar as vagas ainda por preencher - nas áreas da música, dança e artes visuais e audiovisuais da rede de ensino particular e cooperativo -, terminam nesta sexta-feira, 19 de Outubro. Além da câmara de Lagos, onde a instituição tem a sua sede, também os municípios de Portimão, Lagoa e Loulé, onde existiam polos da AML – deixaram cair a Academia. Em causa estarão irregularidades no funcionamento da instituição e eventuais crimes na utilização de dinheiros públicos.

De entre as razões apresentadas pela Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) para cortar os financiamentos à AML estão “falsas declarações” e o “incumprimento” na reposição de verbas pelas sanções que lhe foram aplicadas. A Inspecção-Geral de Educação e Ciência detectou 344 falsos alunos (116 do ensino da música mais 228 da dança) incluídos nas listas remetidas, para comparticipação, ao Ministério da Educação e Ciência. Dessa forma, ao criar uma realidade fictícia, lê-se no relatório, “recebeu indevidamente” 139.192,34 euros. A inspecção abrangeu cinco anos (de 2010/2011 a 2014/2015). Além disso, foram apresentadas na Polícia Judiciária mais de uma dezena de denúncias levantando suspeitas à forma como a instituição é gerida. O Ministério Público, coadjuvado pela PJ, encontra-se desde 2016 a investigar este estabelecimento de ensino particular, criado em 1988.

Os professores queixaram-se, entretanto, de violação das leis do trabalho, assédio moral e injúrias. Sete processos já foram julgados em primeira instância, a favor dos docentes. O valor das indemnizações a pagar ultrapassam os 200 mil euros mas os processos ainda se encontram em fase de recurso.

Perante todo o acumular de suspeições de fraude na aplicação de dinheiros públicos e a saída dos professores, a câmara de Lagos decidiu intervir na situação uma vez que tem sido “parceira e activa” nas acções desenvolvidas pela instituição. Na próxima reunião do executivo, marcada para dia 24, a presidente do autarquia leva a aprovação uma proposta para que o município se constitua como “assistente” no processo de inquérito que decorre no tribunal de Faro.

A câmara de Portimão, onde funciona o Conservatório Joly Braga Santos — um polo da Academia, com autonomia pedagógica — vai, também, deixar de ter apoio autárquico. “Pode funcionar como estabelecimento privado, com o pagamento da totalidade das propinas”, esclarece a presidente da Câmara, Isilda Gomes, adiantando no entanto que existem alternativas: “Foi criado um conservatório, nascido a partir do Grupo Coral Adágio, com o total apoio da câmara”. No novo estabelecimento de ensino, adiantou, estão inscritos cerca de cem alunos.

Em Lagoa, repete-se a situação. O município transferiu os apoios para o recém-criado conservatório, fundado pela associação Artis XXI, exigindo à AML que abandonasse as instalações que a autarquia lhe tinha cedido em 2008. A desocupação ocorreu nesta quinta-feira de manhã.

Em resposta ao vazio criado pelo processo de desagregação da Academia, o Grupo Coral de Lagos (de grandes tradições musicais) fundou, também, um Conservatório, que conta já com cerca de duas centenas de alunos inscritos. Em Loulé, o município acabou com o polo de Academia de Música de Lagos (que funcionou durante três anos). Em substituição, abriu este ano o Conservatório de Música de Loulé, a primeira escola pública de música a sul do Tejo. O ano lectivo abriu com 300 alunos no antigo Solar da Música Nova, tendo a autarquia investido três milhões de euros na recuperação do edifício, situado na zona histórica da cidade. “Tratou-se de uma transição pacífica e negociada”, esclareceu José Viegas Gonçalves, presidente da AML. Menos pacífico é caso da venda de um hostel, de 35 quartos, em Portimão, propriedade da instituição, por 3,4 milhões de euros. O imóvel encontra-se sujeito a uma providência cautelar (arresto de bens) para garantir o pagamento de uma indemnização reclamada por um trabalhador. “A venda não vai ficar chamuscada pelo arresto de uma dívida de 20 ou 22 mil euros”, comentou Viegas Gonçalves, adiantando que teve “alguns interessados” na compra. Na zona histórica de Lagos, a instituição vendeu, recentemente, dois apartamentos.

Em queda livre

José Viegas Gonçalves nega tudo: “Não existe qualquer investigação, nem fraudes — isso, são invenções”, disse. A Academia de Música de Lagos chegou a receber cerca de 1,3 milhões de euros por ano — o que a situava na lista dos mais beneficiados pelo Ministério nesta área de ensino.

Para o José Viegas Gonçalves, os três novos conservatórios que foram criados não passam de “escolinhas, abertas para a golpada” de acabar com a Academia. No contra-ataque, adiantou, foi interposta uma providência cautelar visando o ministério da Educação para “reverter a situação”, alegando que não houve “fundamento” para a exclusão da AML no concurso aos contratos patrocínio.

O ensino artístico na região é um dos temas que a presidente de câmara de Lagos, Joaquina Matos, pretende ver discutido nesta sexta-feira, na reunião da Comunidade Intermunicipal do Algarve — Amal. A autarca socialista entende, no que ao concelho lhe diz respeito, que a autarquia deve “colaborar e diligenciar”, em sede judicial, “para que se esclareça se todos os apoios, subsídios e recursos financeiros despendidos e concedidos à AML foram efectivamente entregues nas acções para as quais eram destinados”.

Sugerir correcção
Comentar