A pensar nas eleições há quatro orçamentos

As eleições do próximo ano, mais do que nunca, vão evidenciar a divisão entre optimistas e pessimistas.

O quarto orçamento da “geringonça”, que é também o último, tem sido apelidado pela oposição de eleitoralista. O primeiro a chamar a atenção para a necessidade de separar as contas do Estado das eleições foi Marcelo Rebelo de Sousa. Ainda em Outubro de 2017, durante o 7.º Congresso Nacional dos Economistas, o Presidente disse: “É preciso olhar para o ano que vem e, quando se conceber o orçamento para 2019, resistir à tentação de ser um orçamento eleitoralista.” Foi um aviso.

Nesta quarta-feira, em Bruxelas, Rui Rio retomou o tema. “Este é um orçamento que aposta no presente, e em 2019 apostar no presente significa apostar nas eleições”, reagiu o presidente do PSD já depois de ter passado os olhos por um documento que considerou ser “um bodo aos eleitores” com algumas “medidas enganadoras”, das quais deu exemplos.

Há pouco mais de um ano, quando o Governo ainda negociava com a esquerda o Orçamento do Estado para 2018, era Assunção Cristas quem criticava António Costa por estar a fazer uma “gestão eleitoral” do dossier, deixando cair todos os dias as “notícias boas” e guardando “o resto” para depois das eleições autárquicas de 1 de Outubro (sim, 2017 também foi ano de eleições e em 2016 também houve regionais nos Açores).

Vistas assim as coisas, Mário Centeno anda há quatro orçamentos a pensar em eleições. É uma espécie de homem do aparelho que em vez de cacicar e caçar votos da maneira tradicional, dominando as dinâmicas do seu próprio partido, faz orçamentos (que se aplicam ao país todo). Aumenta as pensões aqui, altera os abonos sociais acolá, faz crescer o mínimo de subsistência e o salário mínimo nacional, desmantela a sobretaxa do IRS aos poucos e sobe os impostos indirectos onde menos se vê. Pelo meio, uma guerra com os professores ajudará a baralhar as contas, mas os imprevistos fazem parte da política e, mais ainda, das eleições.

A verdade é que tudo se passa mais ou menos assim desde o primeiro ano. O próprio Mário Centeno assumiu esta semana, em entrevista à TVI, que “o único orçamento eleitoralista desta legislatura foi o de 2016, em que pela primeira vez Portugal cumpriu as metas a que se propôs e que permitiram sair do procedimento por défice excessivo”.

A segunda parte da declaração do todo-poderoso ministro das Finanças é importante, porque o PS tem a expectativa de que isso (a ideia de que o Governo não falhou compromissos e ainda conseguiu superar as metas estabelecidas por si e por Bruxelas) também ajude a convencer os eleitores. Na mesma entrevista, Centeno ainda acrescentou: “Portugal foi o país que criou mais emprego na Europa e isso é que ganha eleições, não este orçamento.”

Mas claro que há um aspecto que nem o optimismo de António Costa nem o realismo de Mário Centeno poderão controlar: o medo que alguns eleitores têm do Diabo. Será que sempre vem? E se vem? E se estamos a viver um remake de 2009, em que tudo parecia bem até já não estar bem? As eleições do próximo ano, mais do que nunca, vão evidenciar a divisão entre optimistas e pessimistas.

Marcelo Rebelo de Sousa, que faz parte do primeiro grupo, admitiu que o Orçamento do Estado para 2019 pode estar contaminado pelo “clima eleitoral”, que “começou um pouco mais cedo porque houve antecipação das eleições europeias para final de Maio”. Mas disse mais. “É inevitável que todos os partidos estejam a pensar em eleições.” E não estarão?

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