Exclusividade para médicos e mais funções para enfermeiros? As teses polémicas da nova ministra

Marta Temido doutorou-se com uma tese em que avaliava a possibilidade de os enfermeiros passarem a desempenhar funções tradicionalmente reservadas aos médicos.

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Nuno Ferreira Santos

nova ministra da Saúde, Marta Temido, tem defendido várias ideias polémicas em intervenções públicas, em entrevistas, e até na sua tese de doutoramento, que apresentou há quatro anos. Uma destas ideias passa pela possibilidade de atribuir aos enfermeiros funções tradicionalmente reservadas aos médicos, hipótese que a ordem que representa estes últimos tem contestado com veemência.

Em 2016, quando era presidente da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), o instituto público responsável pela gestão dos recursos humanos e financeiros do sector, Marta Temido destacou, numa cerimónia pública, a necessidade de "maximizar as competências dos profissionais de saúde", pondo os enfermeiros ou os técnicos auxiliares a fazer mais coisas do que fazem. "É ainda dramática a nossa incapacidade de obter o melhor dos nossos recursos humanos", lamentou então.

Este é um tema que tem sido recorrente no seu discurso. Em 2014, escolheu mesmo para a sua tese de doutoramento a avaliação da possibilidade de os enfermeiros prestarem cuidados e desempenharem algumas funções habitualmente atribuídas aos médicos. Na tese sobre a “Exequibilidade de uma revisão da combinação de papéis profissionais entre médicos e enfermeiros em Portugal”, a actual ministra concluía que, apesar de "não haver consenso suficiente sobre se uma opção deste tipo é adequada ao contexto" nacional, há espaço para "uma redistribuição do trabalho entre médicos e enfermeiros".

Porquê? Porque muitos dos actos considerados exclusivos da área médica são-no “meramente por força de práticas instituídas”, observava, notando que há áreas, como a dos centros de saúde, em que é maior o potencial de acolhimento desta hipótese, que passaria, por exemplo, por permitir aos enfermeiros realizar certas técnicas de diagnóstico e tratamento e, eventualmente, prescrever alguns medicamentos.

Exclusividade para chefes

Sublinhando que é necessário "falar de temas de que temos recusado falar sempre", Marta Temido voltou a este assunto, numa entrevista ao PÚBLICO em Julho último, em que afirmava que é necessário sermos "mais produtivos" e que isso "implica fazer um conjunto de escolhas que provavelmente não são politicamente muito simpáticas".

Defendia, a propósito, que se discutissem questões como a “exclusividade” e uma "melhor combinação de papéis profissionais".  E aludia ao problema de “os médicos terem apetência por ir completar o seu horário ao privado para melhorar os seus rendimentos”. “Como é que isso se combate", perguntava, lembrando que houve respostas no passado que foram abandonadas e que uma delas passava pela possibilidade de os médicos realizarem prática privada nos hospitais públicos. “Bem sei que é muito contestada. Mas também sei que outros sistemas de saúde recorrem a ela como forma de evitar que os bons prestadores andem no carrossel dos vários serviços (...). Não sei se estamos em situação de ser tão dogmáticos em relação a estas coisas." 

Esta  quarta-feira, a TSF voltou a este tema, recordando um estudo que a ministra coordenou e apresentou no Conselho Económico e Social, há menos de um mês, em 21 de Setembro. Nesse trabalho, Marta Temido considerava que é necessário assumir abertamente o problema do pluriemprego no sector, ou seja, dos profissionais que trabalham no sector público e no privado em simultâneo, o que acontece sobretudo com os médicos.

No estudo "Melhorar a gestão do SNS. Recursos humanos: o essencial", liderado pela nova governante, lamentava-se que "nos anos mais recentes tenha deixado mesmo de ser conhecido o número de médicos em exclusividade de funções". Defendendo a dedicação exclusiva para "alguns casos", nomeadamente para os cargos intermédios, o trabalho referia que, pela "maior responsabilidade" que têm os directores de departamento e de serviço, estes devem voltar a ter a opção de trabalhar em exclusividade no público, como acontecia no passado.

Deviam também ser clarificados os valores extraordinários a que estes têm direito por trabalharem exclusivamente no sector público, dado que o enquadramento actual "não é claro para o pagamento de qualquer suplemento para esta responsabilidade extra".

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