Programa Nacional de Investimentos: fazer o que deve ser feito

Nos próximos anos, o dinheiro do Orçamento do Estado ou é distribuído pelas clientelas habituais ou co-financia os projetos de que o país precisa.

O Governo está nesta altura a preparar o Programa Nacional de Investimentos, o PNI 2030, que irá definir os projetos estratégicos a lançar pelo país durante a próxima década, durante a qual Portugal terá à sua disposição fundos europeus de 24 mil milhões de euros. Este programa vai incidir sobre diferentes áreas, embora o foco continue a ser a Mobilidade e os Transportes.

Antes do mais, e um pouco ao arrepio da propaganda oficial, convém ter consciência da difícil situação económico-financeira do Estado e do país em geral. O crescimento da economia é anémico há mais de duas décadas (1 a 2% ao ano, em geral). O ano passado atingiu-se os 2,6% (quando países da União Europeia com nível de desenvolvimento semelhante andam nos 4 ou 5%), mas a trajetória é já de descida, sendo as previsões do BdP de 2,3% para este ano, de 1,9% para 2019 e de 1,7% para 2020.

A dívida pública é superior a 250 mil milhões de euros (equivalente a 125% do PIB), a terceira maior em termos per capita da zona euro (a seguir à da Grécia e à da Itália, que nos ultrapassou recentemente). O encargo com os juros da dívida pública ronda os oito mil milhões de euros anuais (10% dos nossos impostos), o maior da zona euro. Embora dele se fale pouco, o problema maior é, contudo, a dívida do conjunto do país, mais de 720 mil milhões de euros (quase quatro vezes o PIB anual), a maior dívida per capita do mundo.

Futuras decisões de investimento em infraestruturas de transportes terão, assim, de ser muito racionais. O tempo do dinheiro fácil, em que se gastava dinheiro a construir autoestradas, por exemplo, só para dar trabalho aos empreiteiros, acabou. Além disso, conforme se sabe agora, o recurso a PPPs não é do interesse do país.

É preciso, portanto, esquecer os planos de antes da crise de 2011: um Novo Aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete (lá longe, em Canha), a rede de “TGV”, a ponte Chelas-Barreiro, etc. O tempo para esses projetos passou e já não volta! Precisamos de um plano adequado às reais necessidades do país e compatível com suas condições financeiras, para ser lançado nos próximos 12 anos, ou seja, no período 2019 a 2030.

A primeira ação deverá ser a definição dos grandes objetivos para a economia do país e sobre isso parece haver algum consenso: por um lado, a produção de bens transacionáveis (sobretudo para vender no mercado externo) e, por outro, apoio à atividade turística, aproveitando o atual boom, mas não devemos exagerar, pois turismo é atividade de países pobres (que, em geral, pouco mais têm para oferecer) e já está a provocar tensões sociais a nível interno.

Assim, é urgente o aumento da capacidade aeroportuária de Lisboa, através da criação de um sistema de dois aeroportos, Portela + Montijo. O aeroporto da Portela (com uma movimentação de quase 27 milhões de passageiros em 2017) entrou para o restrito grupo de aeroportos de Nível 1 a nível mundial, podendo a sua capacidade ser ainda aumentada acima dos 30 milhões e o seu funcionamento significativamente melhorado, nomeadamente através da construção de um novo terminal a norte do atual e o prolongamento do taxiway da pista principal.

Na situação difícil em que o país se encontra, seria um crime o desmantelamento do aeroporto da Portela, uma infraestrutura com um valor de mais de dois mil milhões de euros, para se ir construir um novo aeroporto, um custo nunca inferior a cinco mil milhões de euros. A solução Portela + Montijo é como ter um (único) grande aeroporto com duas pistas, permitindo passar a capacidade de movimentação de passageiros em Lisboa para um valor da ordem de 40 a 45 milhões por ano, no fundo, idêntica à de um novo aeroporto.

O acesso ao aeroporto do Montijo será realizado através dos catamarãs da Transtejo (têm capacidade superior à dos comboios de dois pisos da CP ou da Fertagus) e da ponte Vasco da Gama (que tem ainda muita folga). No futuro, o tabuleiro da ponte poderá mesmo ser adaptado para quatro vias em cada sentido, ficando as vias de fora reservadas para corredores BUS.

Um aeroporto na Base Aérea do Montijo, além de ficar muito próximo de Lisboa (não existe outra localização tão próxima), terá um custo da ordem de apenas 300 milhões de euros (incluindo os novos acessos à ponte), sendo encargo do concessionário da ANA.

Outra prioridade deverá ser a construção de uma rede ferroviária de bitola UIC (bitola “europeia”), para ligar os principais centros e portos do país entre si, e à Europa além-Pirenéus. Essa rede deverá servir para o transporte de mercadorias, mas também de passageiros, em “Alta Velocidade”, nos corredores Lisboa-Porto e Lisboa-Madrid.

A rede será formada por troços novos e também por troços de linhas existentes convertidos para bi-bitola (bitola UIC + bitola Ibérica, a existente). Deverá ser constituída pelas seguintes linhas: Lisboa-Porto, Lisboa-Caia (Madrid), Pampilhosa-Vilar Formoso e Poceirão-Sines. Além de ligações aos portos de Leixões e Aveiro, deverá existir ainda um ramal de ligação do Poceirão à linha Lisboa-Porto em Vila Nova da Rainha, para que os comboios de mercadorias não tenham de passar por Lisboa. A travessia ferroviária do Tejo em Lisboa será pela ponte 25 de Abril, convertida para bi-bitola.

O custo dessa rede será de cerca de cinco mil milhões de euros, ou seja, um terço do custo da rede de “TGV”, planeada há dez anos atrás. Admitindo uma comparticipação de fundos europeus da ordem de um terço, o encargo do Estado será da ordem de 280 milhões de euros anuais (durante 12 anos), valor perfeitamente ao alcance do país.

Quanto à travessia do Tejo, não são precisas mais travessias rodoviárias na zona oriental de Lisboa (Chelas-Barreiro ou Beato-Montijo). A ponte Vasco da Gama é mais do que suficiente, pois apresenta um tráfego diário de cerca de 65 mil veículos, ou seja, metade da sua capacidade, pelo que tem ainda grande folga para acomodar tráfego adicional, nomeadamente, o resultante de um aeroporto no Montijo.

Contudo, deverá ser construída uma nova travessia rodoviária do Tejo, a jusante da ponte 25 de Abril, em princípio, um túnel Algés-Trafaria, para descongestionamento dessa ponte. O custo dessa travessia será da ordem de 400 milhões de euros. Como o atual contrato de concessão das travessias termina em março de 2030, poderá ser adotado um “modelo de negócio” semelhante ao usado na construção da ponte 25 de Abril (fase inicial). Isto é, arranja-se quem financie a obra e a amortização do investimento é feita através das portagens cobradas nas três travessias e iniciada com a abertura ao tráfego da nova travessia. Com as receitas das portagens ao nível atual, a nova travessia ficará paga em pouco mais de seis anos.

Portanto, destes Grandes Projetos apenas a construção da rede ferroviária de bitola UIC irá necessitar de dinheiro público. Uma vez que a comparticipação europeia está garantida, o eventual constrangimento poderá ser o Estado conseguir garantir a parte portuguesa no financiamento, já que, conforme se tem verificado com o programa atual, o Portugal 2020, parte significativa dos fundos europeus tem sido desviada para pagar despesa corrente do Estado, nomeadamente na área da formação e da realização de estágios profissionais.

Terão que ser feitas escolhas. Durante os próximos anos, o dinheiro do Orçamento do Estado (não afeto a despesa rígida), ou é distribuído pelas clientelas habituais (funcionários públicos, pensionistas, etc.), ou é usado para co-financiar os Projetos de Investimento Público de que o país precisa.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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