O Regressar e a valorização do interior

Em Portugal continuamos a legislar sem estudarmos os efeitos das medidas que vigoraram no passado.

Deixo algumas ideias sobre duas medidas fiscais do OE2019. Uma que provavelmente vai ter o efeito desejado e outra sobre a qual tenho mais dúvidas. Em ambas, a mesma perplexidade: em Portugal continuamos a legislar sem estudarmos os efeitos das medidas que vigoraram no passado.

1. O Governo isenta de imposto, durante cinco anos, 50% do rendimento de emigrantes que regressem. Já existem benefícios fiscais para pessoas que se mudam para Portugal, através do estatuto de residente fiscal não habitual (RFNH), com uma taxa de imposto de 20%, durante dez anos. O RFNH exige que o contribuinte tenha passado pelo menos cinco anos no estrangeiro, independentemente de ter ou não vivido em Portugal anteriormente; para beneficiar do Regressar, basta ter passado três anos no estrangeiro, tendo vivido em Portugal no passado. Um estudo sobre o regime dinamarquês semelhante ao RFNH mostra que estes esquemas atraem pessoas. Mas porquê lançar um pacote que se sobrepõe, em larga medida, ao que já existe, sem se ter avaliado o RFNH? O Portal das Finanças, na secção de estatísticas, informa-nos que o montante de benefícios fiscais oferecidos aos RFNH aumentou de 111 milhões de euros em 2014 para 350 em 2016. Mas sabemos em que sectores trabalham? São maioritariamente qualificados? Criaram valor nas empresas, tornando-as mais produtivas, inovadoras, empregadoras? Com o RFNH dinamarquês – cujo benefício dura três anos –, uma parte significativa dos contribuintes deixa a Dinamarca antes disso. O RFNH foi criado em 2009, pelo que ainda não há nenhuma beneficiária que tenha esgotado o período de dez anos findo o qual perde o estatuto. De onde vem o limite de cinco anos para os benefícios do Regressar?

2. As medidas de “valorização do interior” incluem aumento dos benefícios fiscais ao investimento, de deduções de despesas de educação superior e de rendas de casa no interior. Os estudos existentes, focados nos Estados Unidos, França e Inglaterra, sugerem que, à escala regional, fatores como o tecido industrial já existente têm um efeito mais importante do que a fiscalidade. Em Portugal, o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento em vigor inclui medidas para regiões específicas, mas não conhecemos o seu efeito. As políticas fiscais que dependem da localização da atividade económica são genericamente apelidadas de “place-based”. Em vez – ou para além – dos municípios desfavorecidos, são urgentes políticas para os bairros desfavorecidos das zonas urbanas – com menor escala geográfica, mas muito maior expressão populacional. São alvo de benefícios fiscais vários em França (com o programa das Zonas Francas Urbanas) e nos Estados Unidos (com as chamadas Empowerment Zones) com resultados prometedores na criação de emprego e nos salários. Podem fazer a diferença na vida de muitas pessoas, que dificilmente mudarão para o interior por uma dedução à coleta suplementar pela renda de casa, mas poderão viver melhor com mais emprego de proximidade. Fica a sugestão, para a próxima legislatura.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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