Remodelação: alguma normalidade dá jeito

Talvez o Governo de facto só precise de dois ministros: o primeiro-ministro e o segundo-ministro, António Costa e Mário Centeno.

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É verdade que Costa é inteligente, tem sorte na vida e até agora tem sido capaz de transformar derrotas duras — como a das inesquecíveis legislativas de 2015 — em vitórias. Mas por muito inteligente que tenha sido a remodelação o essencial está por resolver: o caso de Tancos é um exemplo do desaparecimento do Estado na vertente poder político (o ministro agora demitido) e as Forças Armadas (cada dia em que o chefe de Estado-Maior do Exército se mantém no cargo é um dia a mais para o desprestígio das Forças Armadas). Tancos não começa nem acaba em Azeredo Lopes e não é a sua saída de cena — obviamente necessária — que vai fazer desaparecer o escândalo, que está agora em investigação judicial, por passe de mágica.

A grande vantagem desta remodelação é a reposição de alguma normalidade no que há demasiado tempo era profundamente anormal: a manutenção no cargo de um ministro da Economia que usava o título mas a quem tinham sido retiradas as tarefas básicas — que de há algum tempo para cá eram exercidas por aquele que agora vai ser empossado como o verdadeiro ministro da Economia — e que Costa não retirava do cargo exclusivamente por teimosia. Aliás, o primeiro-ministro, num congresso do PS há dois anos, menorizou o seu ex-ministro publicamente quando o apontou como “muito tímido”. A situação da Cultura era há longo tempo insustentável: Luís Filipe Castro Mendes, que Costa foi buscar para substituir João Soares na “crise das bofetadas”, é um bom poeta, mas não exerceu o cargo. Graça Fonseca tem todas as condições para começar a exercer um cargo vago há bastante tempo.

Adalberto Campos Fernandes é outra história. Se o ministro da Saúde disse uma vez “somos todos Centeno” e Centeno respondeu “somos todos Adalberto”; na realidade, Adalberto já tinha deixado de ser Centeno há algum tempo e Centeno nunca foi Adalberto. A Saúde era o sector onde a síndrome Tio Patinhas do ministro das Finanças estava a criar mais estragos, com o ministro da Saúde a perder a guerra. Vamos ver como agora a sua sucessora, que tanto criticou Adalberto por estar submetido às Finanças, vai gerir o Orçamento que não negociou. 

A remodelação pode dar um novo fôlego ao executivo a um ano de eleições, mas não deixa de ser curioso tantas situações “insustentáveis” terem sido sustentadas sem grande alarido durante tanto tempo e sem quedas nas sondagens. Talvez o Governo de facto só precise de dois ministros: o primeiro-ministro e o segundo-ministro, António Costa e Mário Centeno.

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