Nova ministra herda problema das dívidas dos hospitais e "guerra" com profissionais

Adalberto Campos Fernandes já tinha pedido para sair. Agora, António Costa substituiu-o por Marta Temido, que herda o duro processo de negociações com os profissionais de saúde e o crónico subfinanciamento do Serviço Nacional de Saúde

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LUSA/PAULO NOVAIS

Depois de há meses ter pedido para sair do Governo, sem sucesso, e quando ainda em Agosto António Costa garantia que ele tinha lugar cativo no Governo, o ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes terá sido este domingo surpreendido com a sua substituição por Marta Temido, a gestora hospitalar que convidou em 2016 para liderar a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), o instituto público responsável pela concretização das atribuições do ministério. 

Marta Temido, 44 anos, e que acabou por sair da ACSS em Dezembro de 2017 no final de um mandato marcado por uma relação tensa com o ministro, não tem experiência política, mas conhece bem os dossiers. Licenciada em Direito, com especialização em administração hospitalar, um doutoramento em saúde internacional e uma tese dedicada à partilha de funções entre médicos e enfermeiros, ganhou visibilidade quando presidiu à Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares, entre 2013 e 2015. 

Antes disso, integrou conselhos de administração de vários hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS), como o IPO do Porto e o Centro Hospitalar de Coimbra. Actualmente ocupava os cargos de subdirectora do Instituto de Higiene e Medicina Tropical e de presidente não executiva do conselho de administração do Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa.

Quanto a Adalberto Campos Fernandes, para trás ficam três anos de um mandato marcado por uma intensa contestação dos representantes dos profissionais do sector, nomeadamente enfermeiros e médicos, uma contestação que não conseguiu conter. Os profissionais de saúde organizaram várias greves e desmultiplicaram-se em denúncias de carências, contribuindo para um ambiente de tensão que se reflectiu em demissões e ameaças de demissão de chefes de serviço e médicos de alguns hospitais de Norte a Sul do país.

Em Agosto, apesar desta contestação cerrada, o ministro parecia estar no cargo de pedra e cal. António Costa, em entrevista ao Expresso, não deixava lugar para dúvidas: "Se alguém espera que o professor Adalberto Campos Fernandes deixe de ser ministro da Saúde para que esses problemas se resolvam por artes mágicas pode tirar o cavalinho da chuva, que ele não deixará de ser ministro".

Sempre que foi ao Parlamento, Adalberto Campos Fernandes, num tom permanentemente optimista, não se cansou de salientar o investimento feito em novos hospitais e centros de saúde e na entrada de milhares de profissionais no Serviço Nacional de Saúde (SNS) desde o início da legislatura.

Insistiu sempre que não há forma de solucionar em pouco tempo os problemas acumulados no sector e foi desvalorizando os problemas que iam surgindo, classificando-os como “casos pontuais”. Em Abril, tinha mesmo afirmado, em entrevista ao PÚBLICO, que estava com força para continuar, mas sempre frisando que seriam necessárias duas legislaturas para recuperar do desinvestimento no sector.

Agora, apenas dois meses depois da garantia dada pelo primeiro-ministro, vai ser substituído por Marta Temido, licenciada em Direito, doutorada em saúde internacional e ex-presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares. Aos 44 anos, Marta Temido, que agora era presidente não executiva do conselho de administração do Hospital da Cruz Vermelha, vai herdar uma pasta complexa, um Serviço Nacional de Saúde que vários especialistas (incluindo ela própria) já calcularam estar subfinanciado em cerca de mil milhões de euros. O que se soube, entretanto, foi que o orçamento do SNS deverá ser reforçado em 2019 com mais cerca de 300 milhões de euros em comparação com o de este ano.

A questão orçamental nunca deixou de estar na ordem do dia, até porque o subfinanciamento é crónico. As dívidas dos hospitais aos fornecedores mantêm uma evolução ascendente, só contrariada pelas injecções adicionais de capital. O prazo de pagamento das dívidas em atraso mantém-se acima dos 90 dias. O discurso dos administradores hospitalares e dos profissionais é o de lamentar a falta de autonomia e o financiamento aquém das necessidades.

O financiamento do SNS é, assim, a questão central mas o ministro das Finanças, Mário Centeno, tem gerido com mãos de ferro o aumento de  verbas para o sector. Apesar disso, Adalberto  Campos Fernandes, mesmo reconhecendo que há hospitais “a trabalhar nos limites”, fez sempre questão de garantir publicamente  que não havia divisões no Governo e e deixou uma frase que ficou para a história: "Somos todos Centeno".

Quando Adalberto Campos Fernandes chegou ao Governo, no final de 2015, a expectativa era de que a saúde ganhasse uma folga depois de quatro anos de cinto apertado pela crise financeira e económica. Não teve tarefa fácil, porém. Durante o seu período de governação, houve reposição salarial, alterações dos períodos de trabalho semanal, mais contratação e investimento em marcha. Mas não o suficiente para acalmar as criticas e a contestação dos profissionais.

No último ano e meio, Adalberto Campos Fernandes enfrentou greves e concentrações de médicos, enfermeiros, assistentes operacionais, técnicos de diagnóstico e terapêutica. Reclamaram mudanças salariais, alterações de carreira. Só da parte dos enfermeiros, este ano já foram mais de 100 dias afectados por paralisações.

A existência de um médico de família para todos os portugueses até ao final da legislatura, uma das promessas deste Governo, está igualmente longe de ser alcançada. Segundo dados do Portal do SNS deste mês, são mais 749 mil as pessoas que não têm um médico de família atribuído. Os atrasos nos concursos do ano passado para a colocação dos novos especialistas nos centros de saúde mas ainda mais nos hospitais foram um dos pontos quentes de tensão.

Temas que Marta Temido conhece bem e que acompanhou de perto quando era administradora hospitalar e depois enquanto presidente da ACSS. Vai herdar agora o processo de negociações com os enfermeiros e restantes profissionais, a continuidade dos investimentos e a estabilização das dívidas na saúde.

Fica ainda a seu cargo a discussão na nova lei de bases da saúde, já com uma proposta do grupo liderado por Maria de Belém Roseira que esteve em consulta pública. Mas que não agrada a todos, sobretudo à esquerda, por não acabar com os modelos de parceria público-privadas (PPP).

 

 

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