Angola nega assassínio de dezenas de imigrantes congoleses

Imigrantes e fontes oficiais disseram que se tratou de uma operação contra a extracção artesanal de diamantes.

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Reuters

Imigrantes congoleses e fontes oficiais disseram que dezenas de pessoas foram assassinadas este mês em Angola, num acto de repressão contra a extracção artesanal de diamantes, uma acusação que as forças de segurança angolanas negaram veementemente.

Angola, o quinto maior produtor de diamantes do mundo, lançou uma operação nas últimas semanas para afastar dezenas de milhares de pessoas envolvidas na extracção de pedras preciosas no Noroeste do país com o objectivo de atrair mais investimento privado.

Muitos são oriundos da vizinha República Democrática do Congo e centenas de milhares convergiram na fronteira da região de Kasai, disseram os guardas de fronteira à Reuters.

Em entrevista à Reuters, mais de 20 imigrantes congoleses que atravessaram a fronteira entre 4 e 12 de Outubro descreveram a violência, a pilhagem e o deslocamento forçado por parte das forças de segurança angolanas, mas também da tribo local Tshokwe.

Os actos violentos mais graves, disseram, ocorreram na cidade de Lucapa, localizada 100 km a sul da fronteira com a RDC e que fica no centro da província Lunda Norte, rica em diamantes.

As forças de segurança angolanas invadiram a cidade, de acordo com 15 testemunhas, e mataram dezenas de pessoas, queimaram casas, pilharam bens e forçaram as pessoas a abandonar a cidade. As testemunhas acrescentaram que algumas das pessoas estavam a residir legalmente em Angola.

“Houve muita violência em Lucapa. Os militares disparavam contra nós enquanto os Tshowke matavam pessoas com machetes. Em conjunto, mataram mais de uma dezena de pessoas”, disse Victor Tshambapoko, 28 anos, que trabalhava como escavador de diamantes na região.

A Reuters não conseguiu corroborar as acusações independentemente.

O Comissário da Polícia Angolana, António Bernardo, porta-voz da operação, negou que tenha havido abuso de direitos por parte das forças de segurança e disse que a única fatalidade de que tinha conhecimento era de um acidente de viação.

“Não temos registo de casas queimadas, e muito menos de represálias e/ou ataques contra alguém”, disse à Reuters.

“Angola e o seu governo apelam ao senso comum da comunidade internacional para que perceba que não existe xenofobia subjacente, mas apenas a normalização legítima da vida socioeconómica do país e da segurança nacional.”

Amadhou Kabakese Taty, director da província de Kasai para a Agência da Fronteira Congolesa (DGM), disse à Reuters que acreditava que existiram “graves violações dos direitos humanos” durante a operação angolana.

“Estou preocupado com esta situação”, disse. “Os congoleses foram expulsos em condições degradantes. Foram violentados, agredidos e assassinados pela polícia militar angolana, especialmente em Lucapa.”

Medos

O Presidente angolano, João Lourenço, está a tentar aumentar os investimentos no país e torná-lo mais independente das exportações de petróleo.

Uma reforma na indústria dos diamantes faz parte do seu plano, e a “Operação Transparência” na Lunda Norte tem como objectivo reduzir o tráfico de diamantes e angariar lucros para os cofres do Estado.

Vários imigrantes congoleses que entraram em Angola nos últimos dias disseram que as autoridades lhes deram até 15 de Outubro para abandonar o país. Representantes dos guardas de fronteira disseram que a operação angolana começou a 1 de Outubro.

De acordo com um documento interno da DGM a que a Reuters teve acesso, 200 mil pessoas atravessaram a fronteira de Angola com a região de Kasai nos primeiros doze dias de Outubro.

Funcionários dos serviços de fronteiras acreditam que o número verdadeiro seja mais alto, uma vez que as pessoas também atravessam pelo mato e não pelos postos de controlo.

A necessidade de reinstalar tantas pessoas ameaça desestabilizar ainda mais Kasai, região que viu a violência entre grupos armados e as forças do governo aumentar em 2016 e 2017.

Fontes das forças de segurança na RDC e em Angola já disseram estar preocupadas com o escalar da tensão na região antes das eleições congolesas em Dezembro.

Um repórter da Reuters viu em Kamako, uma cidade fronteiriça congolesa, milhares de pessoas a deslocarem-se a pé ou em camiões na estrada de terra vermelha que vai em direcção a Tshikapa, a capital da província de Kasai a 50 km para norte.

Homens e mulheres exaustos descansavam à beira da estrada, lavavam-se no rio ou colhiam mangas de árvores gigantes para se poderem alimentar durante uma viagem que dura até uma semana.

Muitos carregavam objectos domésticos, incluindo cadeiras de plástico, colchões, animais e até fornos. Alguns disseram ter também diamantes em sua posse. 

Tradução de Ana Silva

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