Bares e discotecas vão poder ter sinalética Livre de Sexismo

Para prevenir a violência sexual na noite, investigadoras criaram sinalética própria para identificar os bares e discotecas empenhados em promover ambientes igualitários.

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Esta placa deverá começar a identificar os locais de animação nocturna tidos como "seguros" em termos de violência de género Direitos reservados

Se um destes dias esbarrar, à porta de um bar ou de uma discoteca, com uma placa de fundo lilás onde se lê Livre de Sexismo – Por um lazer nocturno igualitário não se surpreenda: o estabelecimento adoptou um conjunto de procedimentos para minimizar o risco de os seus clientes serem importunados sexualmente. À partida, os toques indesejados, as músicas hipersexualizadas e os comentários sexistas não serão tidos como normais naquele espaço. E os funcionários, por outro lado, terão aprendido como estancar tais situações.

“A ideia é criar um roteiro de diversão nocturna mais igualitária, na mesma lógica dos roteiros gay friendly”, adianta Cristiana Vale Pires. A investigadora de pós-doutoramento na Universidade Católica do Porto e colaboradora da Kosmicare (uma organização sem fins lucrativos empenhada na “boa governança” da vida nocturna) aponta Junho de 2019 como data para ter a sinalética distribuída por alguns estabelecimentos de animação nocturna do Porto, primeiro, e noutras cidades, depois.

Mas os dísticos Livre de Sexismo serão apenas a última acção e a mais visível de um conjunto. Uma das primeiras visou apurar se os contextos festivos podem ser educativos quanto a matérias como a violência sexual e o consumo de substâncias psicoactivas. Cristiana Pires entrevistou, juntamente com três outras investigadoras, 12 mulheres, entre os 16 e os 42 anos, consumidoras de substâncias psicoactivas em contextos festivos, residentes em Lisboa e Viseu, num trabalho académico que ajudou a identificar as várias desigualdades de género que emergem em ambientes de diversão nocturna.

Formação para bartenders e seguranças

“Muitas inquiridas referiram com naturalidade que, para elas, sair à noite implica, em algum momento, ser assediada sexualmente, ou seja, o acesso a contextos festivos pressupõe assumir o risco de poder ser vítima de violência sexual”, precisou Cristiana Pires, para acrescentar que as inquiridas “incorporam a necessidade de terem que se proteger como uma responsabilidade unilateral”. Isto num contexto que tende a mostrar-se muito permissivo face a importunações sexuais como toques não consentidos e comentários que não seriam permitidos num café durante o dia. “Quando se convida as mulheres a beber gratuitamente, quando se passam músicas com conteúdos hipersexualizados e se recorre a publicidade que faz uso do corpo da mulher, e que simbolicamente cria um imaginário em que a mulher é mais um bem consumível naquele contexto, está-se a promover este tipo de violência”, defende a investigadora.

A conclusão seguinte apontou a necessidade de co-responsabilizar os promotores destes eventos. Como? “Discutindo com as pessoas que gerem espaços de animação nocturna o que se pode fazer para promover ambientes mais igualitários e evitar conteúdos e comportamentos sexistas. Isto inclui dar formação específica a pessoas que trabalham na noite — de bartenders a seguranças — ajudando-os a identificar situações de violência e a perceber como podem contribuir para desnormalizar a aceitação social deste tipo de comportamentos”, especificou.

Na agenda está ainda o lançamento de uma campanha a fazer chegar a festas estudantis como a Queima das Fitas e congéneres “sobre o papel que as pessoas que assistem a situações de violência de género têm nas mesmas, responsabilizando-as e promovendo a sua desaceitação social”.

Em paralelo, a Faculdade de Educação e Psicologia da Católica lançou um questionário online sobre assédio, abuso e agressões sexuais em ambientes de lazer nocturno. “Já temos cerca de 400 respostas mas vamos continuar até ao final deste mês. Isso vai-nos ajudar a perceber que tipo de violência é que as pessoas vivenciam quando saem à noite e de que forma é que isso se cruza com os consumos de álcool e outras substâncias”, explica Cristiana Vale Pires, para precisar que, no somatório das diferentes iniciativas, o objectivo é desconstruir as crenças e imaginários que legitimam a violência sexual. Como as de quem acha que o álcool desculpabiliza o agressor.

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