Governo italiano ordena saída de refugiados de cidade modelo

A cidade de Riace, na Calábria, é considerada um modelo de integração. A ordem de expulsão segue-se à detenção do presidente da câmara.

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Lucano acusa Salvini de querer destruir o seu projecto YARA NARDI/Reuters

O ministro do Interior de Itália, Matteo Salvini, ordenou a saída de todos os migrantes da localidade de Riace, na Calábria, dizendo que durante a semana têm de ser transferidos para centros noutros locais do país.

A ordem de saída dos cerca de 200 refugiados na localidade segue-se à acusação contra o presidente da câmara, Domenico Lucano, na semana passada. Lucano está em prisão domiciliária, acusado de organizar casamentos de conveniência e de irregularidades na atribuição de contratos da recolha do lixo.

O presidente da câmara era reconhecido internacionalmente por causa de um programa de acolhimento a migrantes e refugiados. Foi um projecto de Lucano que começou em 1998, ainda antes de ser eleito presidente da câmara, em 2000. A ideia era combater a perda de habitantes de Riace, uma localidade com cerca de 2000 residentes, e aproveitar os recém-chegados para dinamizar a economia, fazendo uso de casas abandonadas que lhes eram dadas, para além de receberem formação profissional.

O programa foi considerado um sucesso e um modelo de integração, recebendo elogios e distinções – em 2016, Lucano foi incluído na lista dos 50 grandes líderes mundiais da revista Forbes.

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Manifestação em defesa de Mimmo: "Não podem prender Riace", lê-se no cartaz EPA/CLAUDIO PERI

O diário britânico The  Guardian acrescenta que a decisão de Salvini determina, de facto, o fim do projecto, sublinhando que este deu trabalho tanto a refugiados como a locais, que encontraram mais hipóteses de trabalho enquanto professores, tradutores, ou mediadores culturais.

A estratégia de integração ajudou a reanimar a economia da localidade: o único bar reabriu e algumas lojas também. Algumas casas foram transformadas em lojas de produtos artesanais, de cerâmica a chapéus ou chocolate, feitos e vendidos por refugiados e locais.

“Absurda e injustificada”

Lucano vai recorrer da decisão de Salvini, acusando o Ministério de estar empenhado na destruição do projecto. O presidente da região da Calábria, Mario Oliverio, disse que a ordem era “absurda e injustificada”. “Espero que o objectivo por trás da decisão não seja parar um projecto de recepção que tem sido extremamente positivo, apreciado e reconhecido internacionalmente”, disse.

Domenico Lucano, conhecido como Mimmo, é acusado de sugerir que a única solução para uma nigeriana que não consegue autorização para se manter no país seria o casamento, e ainda de irregularidades nos contratos da autarquia para a recolha do lixo, atribuídos a duas cooperativas de refugiados.

"Uma Itália diferente"

Salvini, do partido anti-imigração Liga (e que recentemente apoiou publicamente o candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro nas eleições brasileiras) prometeu diminuir o financiamento de todos os centros de recepção de migrantes e requerentes de asilo. Na altura da detenção de Lucano, reagiu no Twitter: “Vamos ver o que fazem os outros benfeitores que querem encher a Itália com imigrantes.”

Em relação à saída dos refugiados de Riace, declarou: "não podemos tolerar irregularidades no uso de dinheiro público, mesmo com a desculpa de o gastar nos migrantes", disse.

Muitos vêem uma clara intenção na expulsão dos refugiados de Riace. Aboubakhar Soumahoro, activista de direitos de migrantes que trabalham no Sul de Itália, declarou ao jornal La  Reppublica: “O 'modelo Riace' demonstrou que com a integração se gasta até menos do que aquilo que o Estado dá para manter as pessoas nos centros tradicionais. Ver uma cidade do Sul que consegue integrar, que trata os imigrantes como pessoas activas e não seres passivos a transportar como se fossem pacotes: aqui está, esta é a verdadeira culpa de Mimmo, o presidente da câmara. É culpado de ter demonstrado que é possível uma Itália diferente.”

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