Governo força banco central a dar dados ao fisco sobre fluxos offshore

Coimas aos bancos se entregarem as declarações com erros podem chegar aos 165 mil euros: 33 vezes o valor actual.

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Este ano, o fisco abriu 122 processos contra bancos por falhas nas declarações das transferências para offshore Nelson Garrido

No penúltimo dia de Junho, a directora-geral da administração fiscal, Helena Borges, recebeu uma ordem expressa do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes. Assunto com a “máxima urgência”: escrever ao governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, para o supervisor partilhar informação sobre os fluxos enviados para contas bancárias localizadas em paraísos fiscais.

Agora, três meses e meio depois, surge pela mão do Governo com a proposta de Orçamento do Estado para 2019 uma alteração na lei para obrigar a entidade liderada por Carlos Costa a enviar essa informação ao fisco. O BdP terá de o fazer “por entidade declarante, em número e valor, agregada por destino e motivo”.

A medida aparece numa versão preliminar do OE que foi levada ao Conselho de Ministros de sábado e a que o PÚBLICO teve acesso. O objectivo passa por dar ao fisco a informação que é comunicada ao banco central pelos vários bancos, de forma a verificar se esses dados coincidem com aqueles que o fisco recebe das mesmas instituições bancárias.

A altura do ano em que o BdP terá de o fazer é a mesma em que os bancos têm de enviar esses dados para o fisco: até ao fim de Março de cada ano, relativamente às transferências do ano anterior.

Quando em Fevereiro de 2017 o PÚBLICO revelou o “apagão” de dados de 10.000 milhões de euros da base central do fisco, a Inspecção-geral de Finanças viria a fazer uma auditoria aos problemas de processamento dessa informação. E para verificar se os dados que eram conhecidos correspondiam ao universo de informação semelhante que chega ao Banco de Portugal, pediu que o supervisor bancário transmitisse esses dados. No entanto, na altura Carlos Costa recusou e apenas disponibilizou informação agregada que está online no site do banco central, que qualquer cidadão com acesso à internet pode ver. Dados esses que não permitiam fazer a comparação que a IGF desejava, porque a informação é distinta.

Se na altura o BdP justificou ao PÚBLICO a recusa dizendo que enviou a informação “que podia prestar nos limites dos diferentes deveres de segredo (de supervisão e estatístico) a que está vinculado” e dizia que “em qualquer caso de transmissão de informação agregada ou individualizada, e como em toda a sua actuação, o Banco de Portugal actua sempre no estrito cumprimento da lei”, agora é forçado pelo Governo a fazê-lo.

Coimas disparam

A versão preliminar do OE traz também um agravamento das coimas se os bancos se atrasarem a entregar (ou não entregarem) a declaração Modelo-38 (os ficheiros onde têm de indicar as transferências dos clientes para centros offshores).

O tecto máximo pode chegar aos 165 mil euros, tanto para os atrasos como para declarações com “omissões ou inexactidões”. O intervalo actual das coimas vai dos 250 euros aos cinco mil euros. Passará agora de um mínimo de 3000 e chega aos 165 mil. A coima mais alta será 33 vezes a que se aplica actualmente nos casos-limite (é um agravamento de 3200%).

A ideia passa por dissuadir os bancos a entregarem os documentos com inexactidões, o que tem acontecido. O fisco deparou-se este ano com declarações de substituição em que os bancos corrigiram as declarações já enviadas e foi perante isso que o Governo mandou os serviços do fisco proporem sanções mais agressivas. A decisão política aparece agora confirmada nesta proposta orçamental. Ao todo, o fisco tinha levantado em Junho 122 autos de notícia contra os bancos.

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