Um fenómeno que chegou para ficar
Os podcasts são um dos meios de comunicação mais criativos e com maior vitalidade da actualidade. De que está à espera para ouvir um hoje?
Nos EUA, quase metade da população adulta já experimentou. Uma em cada quatro pessoas fá-lo pelo menos mensalmente. E, em cada seis, uma pessoa fá-lo pelo menos uma vez por semana.
De que falamos? De ouvir podcasts, claro. O mais recente inquérito da Edison Research (1), que segue as tendências nos meios digitais desde 1998, mostra que a popularidade dos podcasts (i.e., conteúdo áudio difundido por meio digital) continua a crescer nos EUA, apenas década e meia depois de o conceito surgir (o termo foi cunhado em 2004). Nos últimos anos, em países como os EUA ou o Reino Unido, os podcasts, que emergiram como formato de nicho, são hoje um verdadeiro fenómeno emergente, com programas mais populares do que muitos programas de televisão. E os ouvintes de podcasts têm, em média, maior formação e são mais informados do que o resto da população.
E em Portugal? A verdade é que não temos números. Certamente, o fenómeno ainda não tem a mesma pujança, mas os sinais de ascensão estão aí, para quem quiser ver (ou escutar), com novos podcasts a surgirem a todas as semanas. Veja-se, por exemplo, a aposta crescente de alguns dos principais jornais, como o PÚBLICO, em que directores e editores dedicam valiosas horas das suas agendas preenchidas a gravar conteúdo audio para o digital; ou a chegada, mais ou menos discreta, de comediantes, apresentadores e jornalistas, enquanto anfitriões dos seus próprios podcasts.
Pessoalmente, enquanto autor de um podcast e, há mais de 10 anos, adicto confesso deste formato, não podia agradar-me mais o despontar do mundo dos podcasts de origem nacional. Mas o que explica, então, o crescimento deste meio?
O atributo mais óbvio - e aquele que primeiro atrai quem começa a ouvir podcasts - é o mais trivial possível: maior eficiência de tempo. Com efeito, ouvir um podcast é, provavelmente, o mais próximo de um ‘almoço grátis’ a que um comum mortal pode almejar - isto é, obter entretenimento ou informação sem gastar tempo nenhum. Como? Aproveitando aquele tempo morto, ou dedicado a uma tarefa mecânica, para puxar dos auriculares. As ocasiões em que se pode ouvir um podcast são, uma vez estando despertos para elas, quase infindáveis: a andar a pé, no carro, nos transportes públicos, no comboio, no avião, no ginásio, em qualquer tarefa doméstica, num almoço solitário, à espera para ser atendido pelo médico, à espera daquele amigo que se atrasa sempre... enfim, um sem-fim de situações que, todas somadas, perfazem facilmente centenas de horas por ano, das quais podemos usufruir sem abdicar de tempo adicional. Quer maior borla?
Mas esta eficiência de tempo é apenas, digamos, a cobertura - uma patine que salta à vista, mas que está longe de ser o único, ou sequer o maior atributo deste formato. Os podcasts são também, e cada vez mais, uma plataforma criativa de pleno direito, com conteúdos de enorme qualidade e, em muitos aspectos, de superior a muitos meios mais tradicionais.
Por um lado, a conveniência de acesso, à distância de um clique, permite um raio de alcance enorme, em que nos é dado acesso a conteúdos falados em qualquer língua e gravados em qualquer local do mundo.
Mas não é tudo. Estão hoje presentes na ‘podcastoesfera’ algumas das pessoas mais brilhantes, mais inspiradoras e mais conhecedoras nas respectivas áreas (do outro lado do Atlântico, são bons exemplos Sam Harris e Jordan Peterson), atraídas pela enorme liberdade criativa e pela facilidade de produção que este meio oferece. Com efeito, um podcast - tal como, por exemplo, um canal de Youtube - dá aos criadores a possibilidade de se libertarem dos constrangimentos de tempo, de orçamento e de conteúdo sempre-presentes nos media institucionais, criando espaço para se aventurarem formatos mais criativos e aprofundados.
E o facto de os podcasts não obrigarem a posicionar-se de modo a atrair uma audiência generalista, pois só ouve quem segue aquele programa, torna possível desenhá-los para uma audiência específica e particular, o que, por seu lado, permite gerar em torno do podcast uma comunidade interessada no tema e no conceito, que participa e ajuda a traçar o próprio caminho do programa.
Um efeito imprevisível desta maior liberdade criativa, que se tem observado nos últimos anos, é o facto de alguns dos podcasts mais ouvidos no mundo – como o ‘My Favorite Murder’ ou o ‘The Joe Rogan Experience’ – terem uma duração longa (i.e., mais de uma hora), o que contraria as previsões mais catastrofistas que anteviam, a todo o momento, a convergência da capacidade de concentração da Humanidade para zero, viciada que estava em tweets de 140 caracteres e em vídeos de dois minutos. (Este recrudescer dos formatos longos não é, de resto, exclusivo dos podcasts - também o sucesso das séries de televisão ou de algumas peças de análise jornalística mais longas contrariam essa tese e mostram que não estamos a embrutecer, simplesmente queremos melhor oferta de conteúdos.)
Apesar destas vantagens, há algo que os podcasts (na sua versão mais estrita de conteúdo audio, pelo menos), evidentemente, não têm: imagem. E, por isso, nunca poderão rivalizar com atributos que só o vídeo traz. Podem, no entanto, ser mais do que um óptimo complemento, da mesma maneira - mais ainda - que a rádio continua a ter vida para lá do seu papel enquanto substituto cego da televisão.
Desde logo, este aparente handicap dos formatos audio, o facto não terem imagem, esconde vantagens que por vezes não são evidentes. É que, aqui, como noutros campos, “less is more”. Por exemplo, numa época em que somos constantemente bombardeados com estímulos visuais - no ecrã da televisão, do computador ou do telemóvel - ouvir apenas revela-se um bálsamo surpreendentemente agradável. Com efeito, a experiência de utilizar apenas um sentido acaba por revelar detalhes que estão normalmente imperceptíveis sob o impacto avassalador da imagem, como o timbre da voz, as pausas ou os silêncios de quem nos fala. Por outro lado, enquanto num programa com imagem, como na televisão, um convidado, mesmo o mais tarimbado, sente a presença intimidante das câmaras, num podcast, a ausência dessa variável encoraja uma performance mais descontraída, e, logo, mais interessante para quem ouve (como sabe, bem, qualquer radialista).
Em suma, numa época em que a Internet abre fronteiras e cria novos caminhos de liberdade criativa, os podcasts são mais do que apenas um formato conveniente para tempos mortos, são um dos meios de comunicação mais criativos e com maior vitalidade da actualidade. De que está à espera para ouvir um hoje?
(1) http://www.edisonresearch.com/wp-content/uploads/2018/03/Infinite-Dial-2018.pdf