Soroca: das artes e dos ciganos

Chisinau, a capital moldava, é uma cidade animada, mais alerta. As pessoas não se conhecem, ao contrário do que acontece em Soroca, onde o tempo corre mais devagar.

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Eu, como quase todos os turistas, os poucos com quem me cruzava àquela hora da manhã, apenas tinha olhos para a fortaleza que se projectava à minha frente. De repente, saindo não sei de onde, um vulto, todo vestido de preto como um corvo, de chapéu da mesma cor, ocupou o meu raio de visão. Observei-o por instantes e senti por ele um afecto imediato no momento em que me dei conta de que recolhia uma garrafa de plástico do chão para a colocar numa papeleira do lixo. Por um momento, vendo que eu segurava uma câmara fotográfica, virou-se para mim, para me deixar ver também uma camisa branca e um cachecol preto.

Umas horas mais tarde, sob um céu com nuvens inofensivas, conheci uma mulher moldava que falava quase tudo menos inglês — dominava o francês, o italiano, o romeno, claro, e o russo.

- Como conseguiste essas fotografias, belas e raras? Mas ele nunca se deixa fotografar.

Ludmila Talmazan parecia intrigada ao ver aquela figura toda vestida de negro sorrindo para a câmara, ao lado de bonitos e coloridos murais junto ao mercado, na estação ferroviária com as suas paredes também cobertas de pinturas, um pouco por todo o lado entre as principais atracções turísticas de Soroca. 

- Sabias que ele nasceu em Soroca? Sabes o nome dele?

Respondi afirmativamente:

- Alexis Sandu.

Ela abanou com a cabeça.

- Sim, mas Alexis é o nome artístico, ele nunca revela a sua verdadeira identidade.

Passara grande parte da manhã com este homem que enchera de vida e cor as ruas de Soroca. Com ele caminhei até à estação ferroviária, com ele visitei a bonita igreja de madeira dos Santos Mártires de Brancoveni, construída por artesãos de Maramures, na Roménia, e erguendo-se a uma altura de 25 metros, enquanto o seu interior está pintado em estilo bizantino. Com Alexis Sandu, perscrutei mansões, antigos hospitais militares, velhos colégios, todo um importante conjunto arquitectónico que Soroca não parecia ter capacidade de me oferecer à primeira vista. Com este artista com uma infância tão triste, um homem que não tem sequer uma casa, conheci a mansão Teohari, logo acima da Escola de Arte e Biblioteca e muito próxima do antigo cinema Dacia, tão popular em tempos, tão decadente nos dias de hoje; com Alexis Sandu, que odeia ser fotografado, vi o fantástico Museu de História e Etnografia, fundado em 1907, mais um conjunto de edifícios históricos de finais do século XIX, a estátua da alma e o monumento a Stefan cel Mare, o lugar da liberdade sagrada em Soroca.

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Estava de novo em frente da fortaleza e conseguia escutar o marulho do rio. Do outro lado, para lá do passeio que bordeja a margem direita do Dniestr, a Ucrânia.

Ludmila Talmazan transmitia-me tantas emoções de Soroca que eu sentia que, mesmo sem sair da fortaleza, por onde ela caminhava ao meu lado, já conhecia a cidade.

- O Dniestr é belo. Mas é poluído. Em Soroca, não há uma estação de tratamento de resíduos. Até aos anos 1990, os pequenos navios subiam e desciam o rio com passageiros. Mas agora, depois das melhorias registadas na estrada que liga Chisinau a Soroca, todo o transporte se faz por terra, contribuindo para fomentar, de ano para ano, o número de turistas que nos visitam.

E grande parte deles sente uma atracção especial pela magnificente fortaleza que fazia parte de uma linha de defesa construída por príncipes moldavos entre os séculos XIV e XVI. A de Soroca, a mais impressionante de todas, foi fundada por Stefan cel Mare e reconstruída pelo seu filho, Petru Rares, entre 1543 e 1545.

A meio da tarde, subindo a colina, fui sozinho à procura da comunidade cigana de Soroca, martelando no meu cérebro as palavras de Eduard Malai.

- Acho interessante o estilo de vida, os gostos e as fantasias deles em relação à arquitectura.

Sabia que, nessas alturas, uns metros acima do Dniestr, haveria de encontrar casas sumptuosas, mesmo um barão que cobra aos turistas para fazer a sua aparição, toda uma opulência que ainda não observara na Moldova.

Nada me surpreendeu. Ludmila Talmazan já me identificara, ainda na fortaleza, com esse mundo.

- A comunidade cigana é outro dos destinos turísticos de Soroca, tão diferente do coração histórico da cidade. Diferente na cultura, nas tradições, no modo de vida. Assim é — sempre assim foi. Os ciganos continuam a manter a sua comunidade fechada ao mundo, enquanto nós tentamos integrá-los na sociedade. Mas as crianças não frequentam a escola. Os ciganos têm uma cultura rica, com as suas tradições específicas, mas o barão é mais uma personagem que promove essa cultura do que alguém que tenha podereres decisivos. 

Em Soroca, a pobreza que se sente nas ruas convive com a opulência das casas, tantas vezes inacabadas, da comunidade cigana na parte alta da cidade.

Preparava-me para deixar Soroca.

- Chisinau é uma cidade animada, mais alerta. As pessoas não se conhecem, ao contrário do que acontece em Soroca, seguramente mais calma, onde o tempo corre mais devagar. Em Chisinau as notícias falsas ainda encontram espaço; em Soroca reconhecemos rapidamente a verdade.

Era tempo de partir, de regressar à capital, com o sentimento de quem vai rever uma avó que nos recebe com um sorriso. E com ternura.

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