John Boorman a afogar-se, Kechiche a engatar e Jean-François Stévenin a sair pela janela

O que me passa pelas mãos esta semana: as aventuras de um suburbano, o "maior cineasta francês" e um mundo de possibilidades que vamos encontrar no Doclisboa.

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bruno simÕes castanheira/arquivo

Le Cinéma d’Abdlelatif KechichePrémisses et Devenir, livro de Emma Mrabet, enuncia no título um movimento: o de um actor de origem tunisina que em Le Thé à la Menthe (Abdelkrim Bahloul, 1984) fazia corpo com as novas figurações no cinema de França pós-colonial — o jovem magrebino no limbo entre o país de origem e o de acolhimento — e que estava a caminho de se afirmar como central na cinematografia francesa: agora como cineasta que em seis longas (uma sétima em pós-produção) não só prolongou uma reivindicação figurativa como, reinventando-a, a impôs no centro. À questão (se é que é questão...) de saber se é hoje “o maior cineasta francês”, Mektoub My Love: Canto Unoque chega em Dezembro, não responderá, talvez. Ajudará, antes, a polemizar. Preparemo-nos para uma verdade escandalosa: Kechiche, sem medo de si próprio: férias, engates, sexo e comida, música e ventura bucólica, convivência de classes, raparigas e rapazes, eis, para o cineasta, o século XX que acabou — aqui ainda possível de ser usufruído.

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Assistente de Truffaut, Rivette ou Cavalier, actor para a nouvelle vague mas também para um cinema comercial de prestígio, como realizador Jean-François Stévenin fez à sua maneira. Como os que em vez de utilizarem as portas utilizam as janelas — é assim que entra e sai em Double Messieurs (1978) e Passe Montagne (1986) que, com Mischka (2002), constituem a sua obra de realizador. Vamos regressar a ela, descobri-la, a partir de dia 18 no Doclisboa, mas já começamos a saborear as maravilhas que oferecem esses filmes realizados em décadas diferentes da vida de um realizador e que nos levam do sonho solitário à família, da infância à velhice (tudo no mesmo corpo). É um mundo de possibilidades. Por exemplo, estarmos na natureza de Passe Montagne e a coisa prometer fazer-nos tombar no Deliverance, de John Boorman. Sim, seria outro filme...

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Mas Boorman está aqui: Adventures of a Surburban Boy, memórias que publicou em 2003 e a que no ano passado acrescentou dois capítulos. Uma autobiografia com possibilidades de monografia. Um fresco, lirismo vigoroso, sobre a classe média britânica — sobre o “esquecimento” de si que abriu caminho a Thatcher e de que Thatcher se serviu, como escreve. Um livro sem Deus mas com Natureza, com água, e com a “cena original”: o dia em que quase se afogou. Contou-nos John Boorman em entrevista: “Aos 12 anos quase me afoguei no rio e por incrível que possa parecer foi uma experiência pacífica.” Regressa a esses relatos autobiográficos, que já estavam nos dois últimos filmes, Esperança e Glória e Pela Rainha, mergulha no fluxo do tempo. E eis o que nos passou pela cabeça: Boorman presidiu ao júri que deu a Palma de Ouro de Cannes a Arena (2009), de João Salaviza. Há momentos, em Adventures of a Suburban Boy, quando o britânico conta a sua experiência junto dos índios no Brasil, em que damos por nós dentro de Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos, documentário que Salaviza fez com Renée  Nader  Messora  junto dos índios krahô, e que é a sua nova vida de cineasta.

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