Último artigo de Stephen Hawking é sobre o cabelo dos buracos negros

Conseguimos ter alguma informação distintiva, tal como o cabelo de uma pessoa, sobre um objecto que caia dentro de um buraco negro? O físico britânico defendeu que sim no último artigo em que trabalhou até dias antes da sua morte.

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Ilustração artística de um buraco negro NASA/M. Weiss

Era um artigo científico esperado e um dos muitos que Stephen Hawking deixou por publicar postumamente. O mais recente trabalho de Stephen Hawking foi disponibilizado num repositório online e o tema é um dos preferidos do físico: a tentativa de explicar os misteriosos buracos negros, que ocupou o físico britânico ao longo de 40 anos.

O trabalho, intitulado Black hole entropy and soft hair (ou Entropia de buracos negros e cabelo macio), foi completado alguns dias antes da morte do físico, em Março deste ano, e publicado online nesta quinta-feira pela equipa de físicos das universidades de Cambridge (Reino Unido) e Harvard (Estados Unidos) que trabalharam com ele nos últimos dias da sua vida.

Cabelos macios num buraco negro? Sim, os buracos negros também têm cabelo. Ou seja, podem ter elementos distintivos, tal como o cabelo é distintivo nas pessoas (louro, preto, curto, comprido, encaracolado, liso ou… macio). Mas nem todos os físicos pensam (ou pensaram) que os buracos negros têm elementos distintivos – o próprio Stephen Hawking só se tornou adepto desta ideia em 2004.

A teoria da relatividade de Albert Einstein diz-nos que os buracos negros são tão simples que os descrevemos com apenas duas quantidades – a massa e a rotação. Por isso, em 1973, o físico norte-americano John Wheeler disse uma frase que ficou famosa – “os buracos negros não têm cabelo” –, significando que tudo o que podíamos saber sobre eles se resumia quase só à sua velocidade de rotação e à sua massa. Explicando melhor, não deixavam escapar para o exterior informação sobre os objectos que tinham sido fatalmente atraídos para eles até caíram lá dentro, pelo que não tinham outras características distintivas além da rotação e massa. A esta quase ausência de elementos distintivos dos buracos negros os físicos chamam o teorema “sem cabelo”.

Mas actualmente muitos físicos consideram que os buracos negros têm cabelo. Em 2004 Stephen Hawking, que tinha passado décadas a defender que os buracos negros destruíam toda a informação sobre a matéria e a energia que devoravam, acabou por mudar de ideias. Afinal, considerou então, os buracos negros podem deixar escapar alguma informação para o exterior. Por outras palavras, têm cabelo.

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Stephen Hawking em Maio de 2007 Francois Lenoir/Reuters

É sobre o cabelo dos buracos negros e o chamado “paradoxo da informação” que se centra o último artigo científico em que Hawking trabalhou. Tentou perceber se a informação de um objecto engolido por um buraco negro pode ser preservada. Diga-se ainda que entre os contributos científicos do físico britânico está a chamada “radiação de Hawking”, que contraria a ideia de que os buracos negros se limitam somente a engolir tudo, incluindo a luz. Engolem de facto tudo e, uma vez lá caída, nem a luz consegue escapar, mas também emitem um tipo de radiação, segundo a proposta de Hawking, e por isso vão-se evaporando até desaparecerem.

“Imaginemos que tenho uma cadeira e que sei tudo sobre essa cadeira. De repente, atiro-a para dentro de um buraco negro e espero que ele se evapore. O problema está na evaporação. É uma evaporação que não dá informação nenhuma. Depois de o buraco negro se evaporar, parece – parece – que toda a informação da cadeira foi destruída”, começa por dizer ao PÚBLICO o físico Vítor Cardoso, do Centro de Astrofísica e Gravitação do Instituto Superior Técnico e especialista em buracos negros. “Como é que essa informação pode ser recuperada se o buraco negro desaparecer? “Este resultado de Hawking sugere que este cabelo macio cresce enquanto a cadeira ia caindo no buraco negro. Pode ser essa a informação sobre a cadeira que foi armazenada nesse cabelo macio”, explica ainda Vítor Cardoso.

E o que é esse cabelo macio? Se um objecto cair num buraco negro, é provável que a entropia (uma propriedade da medida da desordem interna de um objecto) dentro desse buraco negro se altere. E essa entropia provocada pelo objecto que caiu no buraco negro pode ficar registada em fotões (partículas de luz) que se encontram no chamado “horizonte de acontecimentos” – o ponto de não retorno, a fronteira a partir da qual a gravidade em redor de um buraco negro é tão forte que nem a luz se lhe pode escapar. Estes fotões são aquilo que Hawking e a equipa de físicos designou como “cabelo macio”, uma vez que retêm alguma informação a partir da entropia provocada pelos objectos que passaram o horizonte de acontecimentos de um buraco negro.

Como sempre na ciência, há questões que se mantêm por responder ou novas questões que surgem. “Se eu deitar alguma coisa dentro de um buraco negro, a informação fica toda registada no horizonte do buraco negro?”, atirou Malcolm Perry, professor de física teórica na Universidade de Cambridge e co-autor do artigo científico, em conversa com o jornal britânico The Guardian. “É isso que é necessário para resolver o paradoxo da informação. Se é apenas metade disso ou 99%, isso não é suficiente, não resolve o problema do paradoxo da informação”, acrescentou o físico. “Achamos que este é um bom passo, mas não é resposta completa”, notou ainda.

Malcolm Perry foi uma das últimas pessoas em contacto com Hawking. O professor universitário lembrou ao The Guardian que não tinha consciência do quão doente estava Hawking quando lhe ligou a contar sobre as últimas novidades na investigação. “Já era muito difícil para Stephen comunicar e eu estava em videochamada para lhe explicar até onde já tínhamos ido. Quando lhe expliquei, ele esboçou um sorriso enorme. Disse-lhe que tínhamos chegado a algum lado. Ele sabia o resultado final.”

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