Corrupção e populismo segundo Daniel Oliveira

É uma coincidência e pêras que as pessoas que durante anos e anos acreditaram na inocência de Sócrates estejam agora a celebrar em uníssono a substituição da PGR. Caro Daniel: antes populista do que sonso.

Diz-se que o melhor truque do Diabo foi convencer-nos de que não existe. O melhor truque dos corruptos foi convencerem-nos de que o combate à corrupção é uma forma de populismo. Essa atitude entregou o Brasil a Bolsonaro. Por cá, na pátria dos brandos costumes, tem sido o modo da elite política permanecer no poder sem assumir o passado, nem mudar um milímetro o seu comportamento, apesar de o país ter colapsado na sequência de alguns dos maiores actos de corrupção de que há memória.

Portugal não é apenas passivo – a passividade portuguesa é activamente alimentada por numerosos políticos e comentadores. Num texto que publicou há dez dias no Expresso (“Polarização, justicialismo e desprezo pelas instituições. Os nossos populistas”), Daniel Oliveira refere-se a mim, a Rui Ramos, a Helena Matos e a Pedro Passos Coelho como o “retrato completo desta direita populista”. Dispenso o título; agradeço a companhia. O artigo foi escrito na sequência da não recondução de Joana Marques Vidal, e Daniel Oliveira considerou populista admitir que o seu afastamento pudesse ser ditado por outras razões que não a rotatividade de lugares e a protecção das instituições. Quem, como eu, discorda disso, tem uma “obsessão quase monotemática pela corrupção”, e acha (diz ele) que “qualquer pessoa que defenda garantias de arguidos é amiga da bandidagem”.

O problema de Daniel Oliveira é que a estatística conspira contra ele. Eu afirmo que queria que Joana Marques Vidal permanecesse no cargo pela forma implacável como combateu a corrupção, nomeadamente na Operação Marquês. Daniel Oliveira afirma que queria que ela fosse substituída em nome das “instituições democráticas”. É aqui que os números são úteis. Várias vezes critiquei colunistas como Daniel Oliveira, Pedro Marques Lopes, Pedro Adão e Silva, Ferreira Fernandes, Miguel Sousa Tavares ou Fernanda Câncio por durante demasiado tempo terem protegido José Sócrates. Querem ver o que é que cada um deles defendeu, nas últimas semanas, acerca da recondução de Joana Marques Vidal?

Daniel Oliveira opôs-se, para não “abastardar as instituições democráticas” (Expresso, 29/9). Pedro Marques Lopes, menos habilidoso a esconder o que lhe vai na alma, opôs-se e sentiu necessidade de o afirmar todos os domingos de Setembro, começando em “A PGR não é da Joana” (DN, 2/9) e acabando em “Marcelo, o corajoso” (DN, 23/9). Razão da sua oposição? “Defender as instituições e o seu bom funcionamento”, claro está. Pedro Adão e Silva opôs-se (“Nada de pessoal” e “Um bom princípio”, Expresso, 15/9 e 22/9), devido à necessidade – imaginem – de “afirmar a credibilidade das instituições”. Ferreira Fernandes, como de costume, não disse que sim nem que não, mas classificou o mandato de Marques Vidal como “muito surfado”, “muita acusação e pouca uva” e (a minha expressão favorita) “uma aparência de combate a um mal” (DN, 16/9). Miguel Sousa Tavares opôs-se e louvou Marcelo e Costa pela decisão, já que “o que estava em causa era mostrar que a confiança essencial tinha de ser dada à instituição” (Expresso, 29/9). Fernanda Câncio escreveu no Twitter, assim que soube o nome da nova PGR: “pôs-se uma noite magnífica”. Ó se pôs.

É uma coincidência e pêras que as pessoas que durante anos e anos acreditaram na inocência de Sócrates estejam agora a celebrar em uníssono a substituição da PGR. Será mesmo o amor às “instituições” que explica esta notável unanimidade? Caro Daniel: antes populista do que sonso.

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