Onde pára o trabalho da Comissão?
Começa a ser estranho que não se conheça ainda a proposta do Governo para a revisão da Lei de Bases da Saúde.
Passadas mais de três semanas sobre a entrega dos termos de referência para a elaboração de uma proposta de lei visando a revisão da Lei de Bases da Saúde, e tendo a Comissão nomeada para o efeito, pelo Despacho 1222-A/2018, de 2 de Fevereiro de 2018, cumprido integralmente com os seus termos, é desconhecido o paradeiro do trabalho daquela Comissão. É verdade que antes de ser discutida em Conselho de Ministros, as propostas de lei fazem obrigatoriamente o circuito dos secretários de Estado dos vários ministérios para se pronunciarem sobre as matérias que lhes possam ser conexas. E, de facto, uma Lei de Bases da Saúde obriga a que, pelo menos, os ministérios da Saúde, do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social e das Finanças tenham uma palavra a dizer sobre a proposta da Comissão. Porém, admitindo-se que não sejam de monta as alterações sugeridas por aqueles ministérios, começa a ser estranho este adiamento sucessivo da divulgação da proposta do Governo. É que a cada adiamento, todas as especulações sobre a sua razão começam a ser legítimas.
A primeira, e mais preocupante, é a perturbação que a proposta do PSD possa ter causado no Governo, considerando a teoria da equidistância defendida por algumas personalidades com responsabilidades políticas, dentro e fora do executivo. Estará o Governo a ponderar quanto da proposta do PSD deve ser incluída no documento entregue pela Comissão? Por exemplo, e ao contrário do que já foi divulgado, contemplar uma formulação suficientemente ambígua para satisfazer os propósitos do modelo de gestão dos serviços públicos defendido pelo PSD? A segunda, e igualmente preocupante: decidiu o Governo adiar a apresentação da sua proposta de lei à Assembleia da República, argumentando que este é o tempo da discussão do Orçamento do Estado, dando o sinal de que o assunto não é tão importante como isso? A terceira decorreria da circunstância de o Governo discordar, naquilo que considera mais relevante, dos termos de referência que lhe foram apresentados, preparando-se para apresentar uma proposta alternativa.
Seja o que for que se esteja a passar, a partir do momento em que foi promovida a discussão pública do projecto legislativo – e, que se saiba, foram muitas as propostas de alteração apresentadas à Comissão –, não é admissível que ainda se desconheça a versão que resultou dessa discussão e foi apresentada ao titular da pasta da Saúde, no passado dia 3. É que, quando se apela à participação da população nas decisões que interessam a todos, manda o mais elementar princípio democrático que se tenha conhecimento oportuno do resultado obtido. Decidir-se por colocar no congelador um assunto porque eventualmente os critérios de oportunidade política assim o aconselham é defraudar as expectativas de todos quantos responderam à chamada. E conhecem-se as consequências dessas ligeirezas.
Admitindo que o Governo tem uma visão diferente daquela que a Comissão defende, mas considerando que o seu trabalho está concluído, o menos que se pode exigir é que se tenha conhecimento integral, sem rasuras, do que foi entregue ao Governo. Só assim se cumpre na totalidade os termos do despacho. Assim sendo, e assim deve ser, todo o escrutínio é legítimo, desde o projecto legislativo, até à proposta de lei apresentada na Assembleia da República, passando obrigatoriamente pelo conhecimento da proposta da Comissão. E este exercício serve principalmente para se avaliar do grau de incorporação das contribuições de todos quantos se deram a esse trabalho. É para isso que serve a participação. Tergiversar quando boa parte do trabalho está realizado é diminuir a importância do que está em causa, o SNS, o Serviço Nacional de Saúde.