Joana Marques Vidal avisa que está nas mãos do procurador-geral “promover o êxito ou inêxito” das investigações

Procuradora-geral da República cessante defende mais escrutínio com futuras audições no Parlamento para acrescentar maior "transparência" e assegura que a sua substituição foi normal.

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LUSA/MANUEL DE ALMEIDA

Em jeito de despedida, Joana Marques Vidal, que cessa funções na sexta-feira, fez esta terça-feira um aviso, deixou uma proposta e partilhou três preocupações naquele foi o seu último discurso enquanto procuradora-geral da República. Convidada a falar sobre o futuro da Justiça, no Grémio Literário, em Lisboa, Joana Marques Vidal não fugiu ao tema, bem pelo contrário.

“Há uma parte importante sobre o modo como o trabalho se organiza. Aí, sim. Quem está à frente, quem lidera, tem importância. Tem importância a personalidade, as orientações estratégicas, a aposta nos recursos e nos equipamentos”, declarou, realçando a autonomia interna do Ministério Público. Sem nomear a sua sucessora, Lucília Gago, que assume funções na sexta-feira, Joana Marques Vidal sublinhou que cabe ao procurador-geral da República não interferir nos processos e investigações mas “proporcionar as condições organizativas, as perícias, os apoios que permitam que haja capacidade de desenvolver os processos”.

Na parte destinada a perguntas e respostas com a assistência, Joana Marques Vidal demorou-se neste ponto e salientou a marca que considera ter deixado nestes seis anos à frente do Ministério Público (MP). “Nos últimos anos, o MP mudou na capacidade de se modernizar para cumprir as suas funções o melhor possível”, sublinhou. “A especialização, organização, a cooperação internacional, o modo como se faz pode promover o êxito ou o inêxito”, acrescentou, explicando que em Portugal, ao contrário de outros países, “todas as participações criminais obrigam a dar origem a uma investigação”.

Além do aviso, a proposta: Joana Marques Vidal é favorável a uma audição pública na Assembleia da República das personalidades escolhidas para o cargo de procurador-geral da República. A magistrada defende, no fundo, um aperfeiçoamento do actual modelo (em que o procurador-geral é nomeado pelo Presidente sob proposta do Governo) em nome da "transparência".

"Proporcionar uma maior transparência"

"Este modelo parece-me equilibrado. Há quem defenda uma intervenção do Parlamento mesmo no processo de nomeação ou na proposta dos nomes a nomear. Penso que, mantendo-se este modelo, a intervenção do Parlamento podia-se consubstanciar na audição pública da pessoa indicada, uma audição sobre o que pensa do cargo. Poderia proporcionar uma maior transparência e um conhecimento (público) da concepção das pessoas indicadas", defendeu. Na perspectiva da actual procuradora-geral da República, a audição não serviria de teste, mas apenas de um momento de comunicação com a sociedade sobre o que são o pensamento e as prioridades da figura nomeada pelo Presidente da República. Também o CDS-PP já sugeriu que este processo se faça com a audição de candidatos ao cargo no Parlamento, o que requereria uma revisão constitucional.

E, perante uma pergunta concreta, Joana Marques Vidal respondeu de forma clara sobre se a separação de poderes tinha sido assegurada no processo de nomeação de Lucília Gago: “Pode estar descansadíssimo. A Constituição garante a separação de poderes”. Não quis, no entanto, falar sobre a Operação Marquês. Questionada sobre o facto de o juiz Ivo Rosa ter considerado que quatro meses não chegam para a fase de instrução, a magistrada respondeu de forma genérica que existe autonomia hierárquica e que de todas as decisões se podem pedir recursos.

Durante a palestra, Joana Marques Vidal deixou também algumas preocupações que se prendem com desafios para o futuro, entre elas “melhorar bastante os tribunais fiscais”, conciliar o uso de tecnologia com a protecção de liberdades para investigar criminalidade muito complexa e trabalhar para “que o cidadão comum consiga entender a linguagem da justiça”.

A magistrada, escolhida por Passos Coelho e nomeada por Cavaco Silva em 2012 e que não foi agora reconduzida no cargo, terminou lembrando que em Portugal há “uma magistratura de iniciativa e com um âmbito de competências muito alargado para além da jurisdição penal”.

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