Tancos: a oposição e o interesse de Portugal

As chefias militares, o ministro e o primeiro-ministro hão-de estar arrependidos de fazer “orelhas moucas”, mas agora é tarde, demasiado tarde.

1. É pena que o Governo não compreenda que o exercício vigilante, eficaz e veemente da oposição é, por via de regra, o melhor e o maior contributo que os membros de partidos políticos na oposição podem dar para a realização do interesse nacional. Estar na oposição e fazer oposição – sem facciocismos nem preconceitos, mas também sem complexos nem contemporizações – é servir o interesse nacional e servir o interesse de Portugal. Os exemplos podem multiplicar-se e vão dos trágicos incêndios de 2017 até à lamentável situação dos portugueses na Venezuela. Tancos, em especial depois dos preocupantes desenvolvimentos das últimas semanas, é verdadeiramente um exemplo de escola, senão mesmo o exemplo de escola.

O Governo e o Ministério da Defesa bem como as altas chefias militares julgam que as críticas que oportunamente lhes foram dirigidas visam apouca-los, retirar dividendos mediáticos e garantir a prazo alguns ganhos eleitorais. Raramente as percebem como a formulação de um juízo crítico, decerto por vezes contundente, que representa um contributo para minorar danos, resolver problemas, apontar para um outro ângulo do interesse nacional. Se, em devido tempo, o Governo tivesse ouvido o clamor de alguma oposição, o interesse nacional estaria hoje mais protegido e – ironia política ou ironia da política – o Governo estaria agora em “melhores águas” ou em “melhores lençóis”.

2. Desde que ocorreu o gravíssimo assalto a Tancos, muitos, entre os quais me incluo, criticaram a desvalorização sistemática que o Chefe do Estado Maior do Exército, o ministro da Defesa e o primeiro-ministro fizeram do caso. Fomos de facto muitos os que censurámos a tentativa de constante banalização e a tendência para a “normalização” do sucedido. Pela minha parte, mais do que outros, insisti reiteradamente na crítica ao tratamento de Tancos como um mero delito comum, um singelo crime vulgar. Tancos era e é uma questão de segurança nacional e internacional, que punha e põe em causa o prestígio e a credibilidade das Forças Armadas portuguesas. Tancos podia também ser – e era decerto – um assunto para polícias criminais e procuradores; mas era, antes do mais, um caso para apuramento de responsabilidades disciplinares, de cariz militar e hierárquico, e assunção – se a tanto fosse necessário chegar – de responsabilidades administrativas e políticas. Nada dispensava a actuação célere e imediata da hierarquia militar e da sua capacidade inspectiva, auditora e finalmente punitiva. Nada dispensava a tutela política do poder de obrigar a hierarquia a promover as diligências necessárias e a retirar consequências das mesmas. Ninguém compreende como se deixou por fazer um relatório exaustivo das falhas de segurança e dos procedimentos em falta; ninguém percebe como a estrutura hierárquica militar não levou por diante os cabidos inquéritos disciplinares. Ninguém – a não ser o próprio e talvez quem o circunda – é capaz de explicar como o chefe de um ramo militar se obstina em manter-se em funções quando nada apurou e nada quis apurar.

3. Tendo isto presente, cumpre perguntar: se o Exército houvesse promovido uma auditoria séria e extensa, se o Exército houvesse lançado os cabidos inquéritos, em que situação se encontrariam hoje o Chefe do Estado Maior e o ministro da Defesa? Estariam eles à mercê das vicissitudes, absolutamente alarmantes, da investigação criminal? Porque não deram eles ouvidos àqueles que, bem mais construtivamente do que porventura cogitam, os criticaram pela sua inércia e apelaram à sua acção? O primeiro-ministro, que tudo desvaloriza e subestima, não acredita que a oposição dura mas leal é, de longe, aquela que mais pode ajudar. Se o Governo houvesse actuado na esfera da responsabilidade administrativa, disciplinar e até hierárquica, hoje pouco ou nada lhe podia ser apontado. E isso, eventualmente até com independência dos resultados finais ou concretos a que tivesse chegado. Em Portugal, e para este Governo em particular, continua a prevalecer a cultura de que a oposição deve ser desconsiderada e desatendida. Só deve ser ouvida e tida em conta, quando, em matérias estruturais, mostra disponibilidade para consensos de médio e longo prazo. Fora disso, deve ser ignorada e até maltratada. Tancos prova bem que, se o Governo tivesse considerado as duras críticas que, muito cedo e muito a tempo, lhe foram feitas, não se teria entregue docemente nas mãos da mais surreal investigação criminal de que há memória. E que, a somar aos danos graves do assalto, não deixará incólume a credibilidade interna e externa das Forças Armadas portuguesas. As chefias militares, o ministro e o primeiro-ministro hão-de estar arrependidos de fazer “orelhas moucas”, mas agora é tarde, demasiado tarde.

4. Esta mesma linha de raciocínio vale para os incêndios trágicos de 2017. Se o Governo não tivesse diabolizado as críticas e as sugestões que foram feitas aos fogos de Junho, talvez tivesse evitado ou minimizado os fogos de Outubro. Mas como toma todo e qualquer reparo como um ataque ou uma lesão, desconsidera e até vitupera o juízo crítico.

5. E o mesmo se diga da Venezuela. Segundo o PÚBLICO – num longo artigo cuja a única fonte e a fonte única é o Governo –, está em marcha um novo plano. Oxalá esteja. Seria caso para dizer que finalmente o Governo decidiu ouvir a oposição e de que vale a pena fazer oposição. Assim se saiba creditar o contributo da oposição para o interesse de Portugal. Porque até agora, e ao contrário do que a propaganda oficial quer fazer crer a posteriori, muito pouco se fez. Toda a evidência empírica – a julgar pelos relatos dos emigrantes in loco, dos que voltaram e das suas associações – aponta para um triste abandono da comunidade lusa. Se o alarme de uns quantos artigos de jornal tiver servido para mudar de rumo, é caso para felicitar o tão glorificado ministro e o secretário de estado que “gere” a matéria.

SIM. Prémio Nobel da Paz. Nadia Murad, explorada sexualmente pelo Daesh, e Denis Mukwege, o médico restaurador, representam a mole de vítimas anónimas da violência sexual. Estas nem voz têm.

NÃO. Salvini e Di Maio. Os dois cônsules italianos, líderes da Liga e do 5 Estrelas, desafiam a UE e já só falam na revolução nacional-populista. Nas eleições europeias, é isso que estará em jogo.

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