Por que é que os elefantes têm uma pele com fissuras?

Português integrou equipa de cientistas que explica o que são as “ranhuras” na pele do elefante-da-savana e como se formam. Descobriu-se ainda que há uma ligação entre essas fissuras e a pele dos doentes com ictiose.

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Elefantes-da-savana na Tanzânia Michel C Milinkovitch/Universidade de Genebra

Os elefantes-da-savana têm uma característica que raramente se encontra nos seres vivos. A sua pele é adornada por uma rede de fissuras extremamente estreitas. Mas o que são? Uma equipa internacional de cientistas – que inclui o físico português António Filipe Martins, da Universidade de Genebra (Suíça) – concluiu num artigo científico na revista Nature Communications que são microfracturas na parte exterior da pele do elefante. Percebeu-se ainda que essas fracturas se formam porque a parte exterior da pele se dobra devido à geometria da parte interior.

“A pele do elefante-da-savana é um sistema biológico bastante interessante por apresentar estruturas a diferentes escalas”, começa por nos dizer António Martins. Depois, pede para olharmos para a pele do elefante-da-savana de diferentes distâncias. Se observarmos esse animal a vários metros de distância, conseguimos ver as pregas na sua pele. “Estas estruturas são bastante grandes (na ordem do metro ou mais).”

Mas, se observarmos esse elefante a meio metro, veremos uma rede de fissuras. “Estas fissuras são extremamente estreitas: na maior parte dos casos, a sua espessura é de menos de 0,5 milímetros.” Apesar de serem tão estreitas, são muito importantes para o elefante: possibilitam que retenha água ou lama na pele. “Esta retenção de água permite ao animal refrescar-se e evitar sobreaquecimento, enquanto a lama forma uma espécie de ‘armadura’ contra os parasitas, como os mosquitos”, explica o físico.

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Pormenor das fissuras na pele do elefante-da-savana na zona da cabeça António Filipe Martins/Universidade de Genebra

Este “padrão fissurado” é raro nos seres vivos. António Martins indica que algumas árvores apresentam fissuras nos seus troncos e que, em 2013, se sugeriu que as escamas na cabeça de alguns crocodilos se formavam através de um processo de fractura. “Intuitivamente, isso seria de esperar: afinal de contas, uma fissura é sinónima de danos em muitos casos”, diz. “O que é surpreendente é que os elefantes-de-savana ‘utilizem’ as microfracturas na sua pele de forma funcional.”

Mas só os elefantes-da-savana – que vivem em África – apresentam fissuras na pele. Os elefantes-asiáticos já não têm estas “ranhuras”. “Especulamos que isso se deva ao clima menos árido e mais ameno do seu habitat”, refere o físico.

Como uma folha de gelatina

Até ao momento, esta equipa não conhecia nenhum trabalho sobre a formação destas fissuras nos elefantes. Como tal, partiram à descoberta com duas grandes questões: o que são e como se formam?

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O físico António Filipe Martins DR

Neste trabalho – que foi o principal projecto do doutoramento do cientista português –, António Martins fotografou animais, recolheu amostras de pele, obteve imagens microscópicas, analisou dados experimentais e fez simulações computacionais.

Juntamente com a restante equipa, concluiu então que as fissuras são microfracturas na parte exterior da pele do elefante-da-savana. E formavam-se porque a parte exterior da sua pele – nomeadamente no estrato córneo, a camada mais exterior da epiderme – se dobrava por causa da geometria de uma parte interior – a derme.

Mas vejamos (ao pormenor) como funciona o mecanismo que leva os elefantes-da-savana a ficarem com este tipo de pele. Comecemos pela geometria da derme. “Essencialmente, é composta por minúsculas estruturas que se parecem com dedos. As zonas entre estas estruturas formam uma espécie de rede de ‘vales’ ligados entre si”, explica António Martins. É sobre estas estruturas que cresce a parte exterior da pele do elefante. “Com estas observações, a hipótese que sugerimos é a seguinte: à medida que novas camadas de pele vão sendo criadas (e a pele dos elefantes, tal como a nossa, nunca pára de crescer), as camadas mais exteriores vão-se dobrando cada vez mais dentro destes ‘vales’, até que, a certa altura, a deformação é tão grande que a pele acaba por se fracturar.”

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Representação a três dimensões das minúsculas estruturas na derme do elefante-da-savana que se parecem com dedos António Filipe Martins/Universidade de Genebra

Para que compreendamos o mecanismo, o físico pede para imaginarmos que temos uma folha fina de gelatina sólida em cima da palma da nossa mão. Depois, ao fecharmos a mão de forma lenta, essa folha vai-se dobrando. “A certa altura, a dobra na palma da nossa mão é tão vincada que a folha de gelatina se parte ao meio. Em contornos muito gerais, é isso que acontece na pele dos elefantes-da-savana.”

Este estudo tem também uma ligação com os humanos. Afinal, percebeu-se que as características dos tecidos da pele do elefante-da-savana são semelhantes às dos doentes com ictiose – uma doença de pele genética que afecta uma em cada 250 pessoas. “Para já, esta semelhança deve ser interpretada com cautela e são precisos mais estudos para aprofundar os nossos resultados”, previne o português. “Mas, se se confirmar pode abrir caminho a uma melhor compreensão desta patologia.”

Em próximos trabalhos, a equipa quer entender melhor a dinâmica de todo o processo de formação das microfracturas e seguir de perto o desenvolvimento do padrão fissurado durante o primeiro ano de vida de um elefante-da-savana. Os elefantes recém-nascidos ainda não têm estas fissuras na pele e pensa-se que se desenvolvem no primeiro ano de vida. “Tendo em conta as dificuldades inerentes ao estudo destes animais, [seguir o seu desenvolvimento] é um desafio!”, frisa António Martins.

Como já que identificaram parecenças entre a pele deste elefante e a dos doentes com ictiose, o físico português diz que esta semelhança merecia ser analisada ao pormenor. Aguardemos então para saber mais detalhes.

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