Afinal havia outro!

Se Portugal conseguisse dar às suas empresas a gestão operacional das dos Estados Unidos, metade da diferença de rendimentos era colmatada.

À medida que a idade avança há todo um conjunto de maleitas, pequenas ou grandes, que se vão manifestando mais acentuadamente. No fundo, porém, é a velhice que se exterioriza e que o povo consagrou em expressões mais ou menos vernáculas.

A economia portuguesa é como uma pessoa idosa, tem vários desarranjos (défice; dívida, baixos salários; desemprego jovem; etc.) mas, no fundo, aquilo de que realmente padece é de baixa produtividade. Produzíssemos mais riqueza e o resto era paisagem. Postas assim as coisas, a pergunta é óbvia: por que temos uma produtividade tão baixa (quando comparada com outros países da OCDE ou da União Europeia)?

As explicações clássicas vão procurar justificações nos fatores de produção: trabalho e capital. Falta de qualificação e pouca intensidade de capital técnico usado na produção são os argumentos mais invocados (tudo isto para o conjunto da economia já que, está bom de ver, setores que fogem à regra). Na falta de capacidade para produzir mais valor pelo lado da competência, fazemo-lo pelo lado extensivo: muita gente a trabalhar muitas horas. O crescimento do emprego (e das horas trabalhadas) acima do crescimento do PIB é uma boa manifestação daquele pecadilho: a produtividade diminui!

No entanto, estes fatores tradicionais deixam muito por explicar. Esse “resíduo” foi objeto de múltiplas tentativas de explicação, tendo o progresso tecnológico emergido como o elemento de explicação adicional mais consensual. Ainda assim, continua a sobrar bastante para elucidar.

Na última dúzia de anos, alguns académicos procuraram incluir a “qualidade da gestão” entre as varáveis explicativas, propondo formas de a medir. Retomam, no fundo, uma tradição de estudos de casos e de indústrias, somando-lhe a possibilidade, ora existente, de coligir grande volume de dados.

Um ou dois exemplos, bem conhecidos, ajudam a enquadrar a questão. Os mesmos trabalhadores que, quando cá trabalham, têm baixos níveis de produtividade, são elogiados por essa Europa fora. Nem é preciso ir para fora. No fim do século passado, a Autoeuropa passou por algumas dificuldades que poderiam condicionar a sua continuidade. A baixa produtividade geral, fruto sobretudo do elevado absentismo, era o principal problema. Na ocasião, a VW deslocou para Portugal um gestor de recursos humanos vindo de outro país. Pouco tempo passado, a Autoeuropa começou a subir na escala de produtividade e, hoje, é uma das unidades mais produtivas do Grupo. O que mudou? Numa entrevista na altura, ficou claro que o problema não eram as competências dos trabalhadores mas a sua motivação e os processos que enquadravam a sua rotina diária. Gestão de operações, dirão alguns. Teoricamente, algo que deveria ser formalizável (e estava!) e, por isso, facilmente replicável (e a prática mostrou que não era automático – era preciso gerir). Ou seja, em princípio, nada que devesse fazer verdadeiramente a diferença numa perspetiva estratégica e, talvez por isso, secundarizada, reduzida a um detalhe. E já se sabe onde está habitualmente o diabo…

Os estudos referidos têm prosseguido, permitindo comparações entre empresas no mesmo país e entre países. Num, e noutro, caso a dispersão é grande: há empresas muito bem geridas em todos os países. Nalguns, essa é a regra. Noutros, a exceção. Portugal não fica bem na fotografia: a generalidade dos países da OCDE ficam à nossa frente. Estará a pensar: é o contexto. Lamento desiludi-lo! Os autores tiveram o cuidado de fazer a avaliação com base em procedimentos objetivos, internos às empresas: como se estabelecem os objetivos, como são geridas as operações internas, como é controlado o desempenho da empresa, como recrutam os trabalhadores, como (ou se) definem os incentivos, etc. O contexto conta mas não tanto como se poderia pensar. As multinacionais que operam entre nós têm práticas que as colocam entre as melhores a nível internacional. Para além de razões de política de empresa, mas também por uma razão de contexto: concorrerem internacionalmente. Em todos países, as empresas que vendem no mercado internacional são mais bem geridas do que as que se focam no mercado interno. Adivinhará a razão…

Estes estudos não são inócuos: países com mais empresas bem geridas têm produtividades e rendimentos médios mais elevados. Se Portugal conseguisse dar às suas empresas a gestão operacional das dos Estados Unidos, metade da diferença de rendimentos era colmatada. Pergunta-se: há maneira de ir reduzindo a distância? As respostas são variadas, envolvem vários agentes e vontades. Desde logo, a dos próprios gestores: nos estudos referidos, a avaliação subjetiva (isto é, dos gestores sobre as suas práticas) está quase nas antípodas do que os dados mostram. Ou seja, os bons acham que precisam de melhorar. Os outros, acham-se bons. Presunção e água benta…

Independentemente da jactância, o que tem de ser tem muita força: quem pretende competir nos mercados internacionais tem de melhorar a gestão. É um caso em que o mercado trata do assunto. Demora o seu tempo, há paliativos transitórios (em tempos, a desvalorização; hoje, a manutenção de salários baixos), mas a evolução é inelutável. Quanto mais aberta for a economia e, em geral, maior a concorrência, melhor será a gestão e mais altos os rendimentos.

As políticas podem ajudar. O investimento na qualificação de recursos humanos tem estado demasiado focado na base. É tempo de perceber que de pouco adianta melhorar essas qualificações ou, até, apetrechar a fábrica das tecnologias mais sofisticadas, se quem organiza e gere não as souber aproveitar. Não basta, porém, mudar o foco. Programas dirigidos aos recursos que ocupam, ou poderão ocupar o topo, envolvem dotações e competências formativas específicas: a formação numa “business school” não é compatível com as regras habituais dos apoios públicos. E há boas razões para a política pública não ignorar estas instâncias educativas, comparticipando nos custos, sempre que se trata de formação de natureza geral. Será um tabu difícil de superar como bem demonstra a discussão sobre os aumentos na função pública: a melhoria da qualidade dos serviços públicos depende criticamente da capacidade do Estado atrair, e reter, os melhores mas, para isso, precisa de lhes pagar adequadamente.

A formação há de adaptar-se aos destinatários. A qualificação importa mas o que releva é a prática. Os gestores são muito devotos de S. Tomé: é ver para crer. As “ações de demonstração”, em que as empresas apoiadas se comprometiam a abrir as suas portas à comunidade empresarial, tiveram um papel não negligenciável na disseminação das boas práticas. Complementadas por uma reflexão organizada, que procure levar a aprendizagem além da intuição, justificam que lhes seja dada prioridade. Tal como merecem ser apoiadas “missões de estudo empresarial” a outros países, organizadas, por exemplo, em conjunto pelas respetivas Câmaras de Comércio e Indústria e as Escolas acreditadas, envolvendo, igualmente, a organização de sessões de discussão estruturada que facilitem a consolidação da aprendizagem. Uma variante destes programas poderia ser um que estimulasse a “adoção” de uma, ou várias empresas, por outra que partilhasse com elas as suas práticas. Os clubes de fornecedores, os círculos de qualidade ou os “ecossistemas” são bons exemplos que carecem de ser multiplicados. Uma versão envolveria os gestores a partilharem o seu tempo com gestores de outras empresas (por exemplo, um dia por mês, em vez de irem jogar golfe…). Já se faz mas sem a dimensão suficiente para ter impacto nacional.

Num país com muitas empresas de matriz familiar estas merecem particular atenção. Em todos os países, ficam mal na fotografia a não ser que adotem práticas de gestão profissional e recrutem com base na competência e não nos genes. Pelo seu peso na economia nacional, as sugestões atrás enunciadas podem, e devem, ter uma declinação específica para as empresas desta natureza.

A preocupação foi mais a de ser ilustrativo do que exaustivo, chamando a atenção para um fator que, entre nós, tem sido negligenciado nas discussões e, sobretudo, nas políticas públicas, quebrando o consenso de que a baixa produtividade resulta da falta de qualificação dos trabalhadores e do contexto. “Talvez não!” têm vindo a dizer o Banco de Portugal, o Fórum de Administradores de Empresas e vários cronistas com currículo empresarial. O INE tem começado a providenciar dados. Será suficiente para mudar comportamentos e políticas?

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